A Copa do Mundo de 2014 trouxe para o Brasil a tecnologia das estruturas tensionadas para a cobertura de grandes vãos. Dotadas de grande impacto visual, elas foram escolhidas para alguns estádios devido a sua qualidade escultórica, facilidade de fabricação e transporte, montagem rápida e adaptação a qualquer geometria.
Membranas em coberturas retráteis, montagens com camadas múltiplas e o uso de películas transparentes na arquitetura incrementam as altas taxas de crescimento do setor de tensoestruturas – principalmente em razão dos avanços dos estudos estruturais feitos pelo Instituto para Estruturas Leves da Universidade de Stuttgart, fundado em 1964. Uma das primeiras experiências que contribuíram para essa evolução foi o Pavilhão da Alemanha na exposição mundial de Montreal, no Canadá, com estrutura quadrangular em aço montada no solo e posteriormente içada. A cobertura da Arena Olímpica de Munique, em 1972, concebida por Frei Otto e Jörg Schlaich, demonstrou a liberdade quase ilimitada de formas que a rede de cabos com malha quadrangular pode oferecer. Segundo a arquiteta Míriam H. Sayeg, que atua no Brasil para a Schlaich Bergermann und Partner, empresa alemã de consultores independentes de cálculo estrutural, foi desse projeto que nasceu, na época, a parceria dos engenheiros Schlaich e Bergermann, cujo escritório daria início a uma história de projetos únicos, que tanto contribuíram para o desenvolvimento das estruturas tensionadas.
As grandes edificações com membranas sempre foram classificadas como sofisticadas. Em alguns casos existem diferenças significativas no projeto das estruturas de sustentação e na avaliação de seu comportamento estrutural em comparação com as formas convencionais de construção. De acordo com Míriam, a necessidade de expertise no manuseio de materiais – como as membranas e os cabos -, suas propriedades pouco conhecidas, bem como o processo de projeto, diferente do convencional, contribuem para isso. “Ao mesmo tempo, diversamente do usual, as estruturas têxteis precisam ser modeladas e calculadas para grandes deflexões e flexibilidade. Mas, hoje, a quantidade de soluções possíveis e a variedade de áreas para a sua aplicação são mais conhecidas”, pondera a arquiteta.
Comportamento estrutural
Nas estruturas tensionadas, a geometria, a distribuição das cargas, as propriedades do material, o comportamento estrutural sob influências externas, como os ventos, e até o corte do tecido são tão interdependentes que exercem uma influência direta sobre o sistema. O fluxo das forças de tração e compressão representa o ponto nevrálgico das estruturas de sustentação. No caso de vigas de vão simples, com carga vertical direcionada para baixo, ocorre a tração para baixo e a compressão para cima. Porém, a análise estrutural mostra que, nas grandes superfícies, parte da massa não participa da distribuição homogênea das cargas. Assim, as estruturas tensionadas exigem que cada componente seja submetido a um esforço exato, com otimização do cálculo através da distribuição das cargas de superfície. “Dessa maneira, o termo construções em membrana, além de definir o material têxtil. descreve o tipo de distribuição de cargas, e pode ser aplicado também para as obras com películas não têxteis”, analisa Míriam.
A elaboração do projeto estrutural deve ser criteriosa, andar de mãos dadas com a proposta arquitetônica e demandar grande conhecimento dos princípios e dos parâmetros que condicionam o sistema. No projeto das tensoestruturas, a análise dos esforços está relacionada à simulação de grandes deformações em cascas e redes de cabos multidirecionais. De acordo com Míriam, somente assim o cálculo estrutural poderá dimensionar corretamente a resistência, composição e revestimentos da membrana, cabos, mastros e acessórios. Esse processo denomina-se form finding, ou busca da forma, que significa a otimização da geometria estrutural, do desenho arquitetônico e das dimensões dos elementos que suportam as cargas. Assim, a forma estrutural é não apenas determinada geometricamente, mas fundamentada em modelos mecânicos e físicos. “Estes podem comprovar se os requisitos geométricos e funcionais, com as demandas básicas após a curvatura adequada, estão compatíveis, em conjunto com a modelagem através de cálculos de elementos finitos, cálculos estruturais e de comportamento das cargas”, ela afirma. Desse modo, o projeto não é apenas um estudo estrutural teórico, mas considera a máxima carga admissível do material. A superfície tridimensional serve para a manufatura dos planos.
A determinação dos planos das membranas é função do comportamento elástico na distribuição e no corte das subáreas, originando o layout das superfícies através de faixas de tamanhos definidos, destaca Míriam. O tamanho das faixas e a sua curvatura irão determinar a qualidade da proximidade secional. Desse modo, é de fundamental importância que as direções do tecido se adaptem às da transferência de carga. “Em muitas publicações, a analogia do princípio do filme da bolha de sabão foi uma lei obrigatória para a form finding, com base na tese de que todas as áreas com materiais de propriedades isotrópicas teriam tensões iguais. A bolha de sabão cria uma superfície mínima, com uma área mínima e igualdade de tensões em todas as direções.
Mas as membranas não são materiais isotrópicos, pois possuem comportamentos distintos em suas várias direções. Urdidura e trama, portanto, têm comportamentos diferentes”, afirma.
Formas variadas
Em geral, as estruturas tensionadas são projetadas com formas mistas, derivadas de uma ou mais concepções estruturais típicas. Entre as mais utilizadas estão as paraboloides hiperbólicas (semelhante na construção de membranas, como uma vela de quatro pontos), a superfície em sela, formada por dois arcos deslocados em paralelo, e a superfície com membranas dispostas em forma de cone. Nestes casos, a orientação da curvatura ocorre na direção oposta e, assim, a protensão aplicada pelas bordas em uma determinada direção exige, para a manutenção do equilíbrio, a mesma ação em outro sentido. As relações da protensão são vinculadas às da curvatura. As estruturas de sustentação da membrana necessitam de uma construção de apoio, além do revestimento têxtil tensionado.
Nesse caso, é necessário observar que as forças externas que atuam para baixo não podem ser niveladas sem a existência de elementos de compressão. ‘Também se utiliza o conceito pele e osso, que confere a este a função primária de sustentação e à pele a função secundária, com respectivo efeito de troca e a interação pronunciada entre ambos”, descreve Míriam.
Além da simples função de nivelamento da carga, os elementos das estruturas primárias oferecem as condições periféricas geométricas para apoio das superfícies das membranas.
De acordo com Míriam, a curvatura é bastante indicada para servir de elemento primário de sustentação para estruturas de membrana.
As superfícies em formato de sela podem ser geradas pela disposição de curvas como linhas de sustentação. “A curva representa o elemento de sustentação pressionado na forma de inversão linear da membrana tensionada. Seu design é estabelecido pela linha de sustentação ideal”, explica a arquiteta. Assim, podem ser gerados sistemas de sustentação bastante eficientes para envergaduras de até cerca de 25 metros, na medida em que ocorre uma interação entre os arcos metálicos e as membranas. Através da conexão dos dois elementos, a membrana sobrecarrega e estabiliza o arco.
Os parâmetros para assegurar esse tipo de interação, explica Míriam, abrangem os cortes transversais das membranas e suas condições de aplicação, além da geometria, da intensidade da força de protensão e das propriedades do material. “Nesse caso, aconselha-se, por exemplo, a aplicação de mancais flexíveis nos pontos da extremidade do arco e a disposição da direção da fibra mais rígida da membrana de maneira perpendicular a ele”, recomenda. No caso de envergaduras maiores, acrescenta Míriam, a influência estabilizadora sofre redução e as estruturas de sustentação curvas precisam ser construídas com maior rigidez a flexões.
Por essa razão, os arcos se desenvolvem no corte transversal a partir dos perfis das hastes individuais, formando arcos reticulares com duas, três e quatro cintas. “O mancal flexível, localizado nos pontos das extremidades, também tem efeito positivo no caso dos arcos inflexíveis, uma vez que possibilita criar deformações de maneira transversal à superfície do arco, originadas, sem maiores desgastes, a partir de campos de membrana adjacentes com diferentes forças”, complementa Míriam.
Tensoestruturas nos estádios da Copa
A necessidade de adaptar os estádios brasileiros para a Copa do Mundo de 2014 representa uma oportunidade para as estruturas tensionadas no país. Além de belas, elas são tecnicamente a opção mais viável para as arenas que necessitam adequar-se às exigências da Fifa. A Schlaich Bergermann und Partner é autora de quatro projetos de coberturas de estádios brasileiros para o Mundial: Morumbi (SP), Mineirão (MG), Mané Garrincha (DF) e Vivaldão (AM). As soluções estruturais são compatíveis com as condições peculiares de cada um, explica o diretor da empresa, Knut Goppert. Os de São Paulo, Brasília e Belo Horizonte possuem estruturas tensionadas de cabos, enquanto o estádio de Manaus terá cobertura e fachada compostas por estrutura metálica revestida por membrana não tensionada.
O Morumbi receberia uma cobertura de cabos tensionados e painéis metálicos, entremeados por faixas de policarbonato, com balanços de diferentes extensões, o que possibilitará a transformação de parte do estádio em uma arena para 25 mil pessoas. Com a riqueza formal de sua arquitetura, objeto de preservação histórica, o Mineirão demandou solução em cabos tensionados que se estruturam em colunas internas à fachada existente, com a possibilidade de instalação de painéis fotovoltaicos na nova cobertura de policarbonato. Já o Mané Garrincha tem concepção estrutural diferenciada, otimizada em função de sua forma de círculo. Um anel de compressão em concreto, material de referência na capital federal, criará forte elemento formal e estrutural, em conjunto com os 229 componentes da colunata externa. Uma rede estrutural de cabos formará a cobertura com mosaico de painéis em steel deck e vidro, incluindo a cobertura retrátil, que transformará o estádio em moderna arena multiuso. Um mastro central é o ponto-chave estrutural de onde partem os cabos radiais e no qual fica localizada a garagem da membrana. O estádio de Frankfurt (Alemanha) e, mais recentemente, os de Varsóvia (Polônia), para a Eurocopa de 2012, e Vancouver (Canadá) são exemplos de coberturas retráteis. A Schlaich Bergermann und Partner tem em seu currículo projetos das estruturas de estádios para Copa de 2002, na Coréia do Sul (lncheon e Busan); de 2006, na Alemanha (Stuttgart, Berlim e mais seis outros); e 2010, na África do Sul (Johannesburgo, Cidade do Cabo, Durban e Port Elizabeth). Também está projetando arenas para a Eurocopa 2012 na Polônia e Ucrânia (Breslau, Slaski e Kiev, além de Varsóvia).
No mercado Brasileiro
As estruturas tensionadas têm como característica o fato de seus elementos – membranas, estruturas metálicas e cabos – serem portantes, participando ativamente da composição estrutural. Consideradas leves, com a massa do material substituída pela forma para alcançar a estabilidade, apresentam peso próprio muito menor que o peso suportado. “As estruturas tensionadas permitem soluções arquitetônicas de vanguarda”, destaca a engenheira Rita Bose, proprietária da Tecno Staff Engenharia e Estruturas. Ela observa que há ainda muito desconhecimento a respeito delas no mercado brasileiro. Rita chegou a essa conclusão após realizar palestras em 18 capitais brasileiras e notar que, apesar de os arquitetos jovens defenderem o uso da tecnologia, há grande resistência por parte de empreendedores, que interpretam a estrutura tensionada como “um toldo confeccionado com lona”. “Quando dou como exemplo de tensoestrutura a do aeroporto de Denver, nos Estados Unidos, o cliente compreende melhor as magnitudes envolvidas e fica mais aberto a aceitá-Ia”, explica.
O engenheiro estrutural Knut Göppert. diretor da Schlaich Bergermann und Partner, defende projetos de estruturas tensionadas como edifícios permanentes, e não como obras temporárias. “Isso requer experiência, plena compreensão do sistema, ferramentas computacionais, softwares avançadíssimos e muita engenharia”, destaca. Segundo ele, o projeto de estruturas tensionadas não pode ficar apenas nas mãos dos contratantes ou dos arquitetos. t necessário um verdadeiro trabalho integrado de equipe, montadores experientes e hábeis, além dos melhores materiais. “Diferentemente do que acontece com as estruturas convencionais, o arquiteto deve interagir com o engenheiro estrutural para definir a forma, buscando o equilíbrio de forças, não apenas em razão das exigências formais ou funcionais. Os detalhes são importantes e fazem a diferença entre permanente e temporário, entre o belo e o nem tanto, entre o elegante e o grosseiro, e, principalmente, entre o seguro e o inseguro”, define Goppert.
Tecidos técnicos
As membranas usadas nas estruturas tensionadas são conhecidas como tecidos técnicos e incorporam propriedades especiais.
As mais utilizadas nas grandes obras são as de PVC, fabricadas com poliéster e revestidas com PVC, e as de PTFE, produzidas com fibra de vidro. Quanto mais propriedades oferecem, como durabilidade, resistência mecânica e facilidade de manuseio, maior o preço. Além disso, as membranas podem receber tratamentos de resinas poliméricas que elevam sua resistência mecânica aos raios ultravioleta, às intempéries, ao fogo e ao ataque de microrganismos, aumentando a durabilidade para cerca de 30 anos. Esses tratamentos, feitos com teflon ou silicone, nos tecidos de fibra de vidro, ou com PVDF e tedlar, nos de PVC, também conferem diferentes níveis de luminosidade, ajudam no isolamento térmico -com diminuição de até 25% da temperatura externa – e acústico, agregando cores e melhorando o acabamento.
O conforto termoacústico das construções têxteis pode ser alcançado também por meio de soluções de projeto, já que a própria concepção das tensoestruturas sugere formas abertas. Execução de lanternins (do tipo chapéu), ventilação cruzada e redução das reflexões internas melhoram o desempenho térmico e acústico. Uma solução comum é criar o efeito chaminé, que, em razão da diferença de pressão do ar, provoca renovação contínua, favorecendo o conforto térmico. Mas, além de protegerem do sol e da chuva, as membranas, dotadas de transparência, permitem a passagem da luz natural, de maneira difusa, promovendo um ambiente agradável com economia de energia. As membranas de poliéster/PVC conseguem coeficientes de transmissão de luz que variam de 3% a 20%.
O engenheiro Knut Göppert destaca que, nos últimos 30 anos, a membrana PTFE protegida com teflon é uma das soluções mais adequadas aos edifícios permanentes, por sua maior durabilidade, estabilidade estrutural e propriedades autolimpantes. Elas exigem, no entanto, maior especialização, tanto no cálculo estrutural quanto na execução. “Em forma de tela, a membrana tem uma variante interessante de utilização, nas faces internas da cobertura, como no novo estádio da Cidade do Cabo, para a Copa de 2010, na África do Sul. Ela possibilita melhor desempenho acústico e cria uma atmosfera agradável ao espectador, além de proporcionar melhor acabamento da face interna e das instalações do entreforro. Os sistemas estruturais utilizam-se de cabos de alta performance estrutural, conhecidos como fully locked, com proteção contra corrosão e durabilidade de mais de ?O anos, sem necessitar de manutenção”, ele explica.
Evolução tecnológica
Ainda pouco utilizadas no Brasil em construções permanentes, as estruturas tensionadas sempre estiveram presentes na história. As tendas dos povos nômades, formas primitivas de moradia, são suas primeiras manifestações, por volta de 28000 a.C.
Com desenhos diversos, de acordo com a cultura em que estavam inseridas, elas se sustentavam por meio de uma série de apoios e formas geométricas, utilizando materiais disponíveis, desde amarras de ossos e pedras até revestimentos com folhas, cascas, peles e couro, como os tipis dos índios norte-americanos, as tendas dos inuítes (povo esquimó) e, com o surgimento da navegação, as velas de embarcações.
Nos séculos 19 e 20 ocorreram mudanças significativas no desenvolvimento das tensoestruturas nos países industrializados. Com o incremento da necessidade de grandes espaços temporários, para fins culturais e exposição de produtos comerciais e industriais, houve aumento considerável na qualidade e na resistência das tendas, em virtude da utilização de estruturas metálicas mais leves e da melhoria dos materiais. Depois, entre 1930 e 1940, foram feitas as primeiras aplicações de estruturas de cabos de aço nas pontes pênseis. Hoje, as estruturas tensionadas agregam sofisticada tecnologia, principalmente em países europeus e nos Estados Unidos.
Porém, as pesquisas e os projetos do arquiteto e engenheiro alemão Frei Otto, em 1954, é que deram grande impulso às tensoestruturas. A curvatura inversa, a protensão e, em geral, a utilização de elementos e materiais tensionados, de acordo com um método construtivo específico, tornaram-se os princípios básicos desse desenvolvimento. Com o progresso no campo dos materiais, apareceram os tecidos técnicos fabricados com fibras de PVC, poliéster e fibras de vidro, que substituíram os naturais. Os avanços em relação ao comportamento estrutural e o detalhamento dos cabos e membranas, além do aperfeiçoamento de programas de computação, propiciaram a difusão das construções têxteis.