1.Introdução

Os perfis tubulares são largamente utilizados em estruturas offshore e condutores de fluidos. Na construção civil, os perfis metálicos tubulares são utilizados, por exemplo, em sistemas de cobertura e pisos, sendo o sistema estrutural treliçado o mais usual.
Treliças produzidas a partir de tubos de seção circular apresentam uma melhor distribuição de tensões nas seções, quando comparadas com perfis tubulares de seção tubular retangular. Em contrapartida, a ligação soldada, entre perfis tubulares circulares, exige cortes adequados nas extremidades das barras, de modo a ajustar as superfícies de contato antes da soldagem. Nos perfis tubulares retangulares, a execução das ligações é mais simples, já que é feita em superfície plana, fazendo com que o produto final apresente menos imperfeições geométricas oriundas da fabricação.

No Brasil, o uso de perfis tubulares, na construção civil, teve importante crescimento, recentemente, através de sistemas treliçados espaciais. Trabalhos de pesquisa recentes têm estudado a aplicação desses perfis em outros tipos de sistemas estruturais, como as estruturas mistas, treliças de piso, etc.
Análises experimentais e/ou numéricas podem ser realizadas para avaliar o comportamento de sistemas e elementos estruturais, sendo o método dos elementos finitos o mais difundido entre os métodos numéricos. No presente trabalho, resultados de análise numérica e resultados experimentais são comparados, tendo como objetivo determinar a melhor modelagem para ligações soldadas do tipo K e KT, com perfis tubulares circulares para diagonais/montantes e retangular para os banzos.

Ligação tipo “K”

A ligação tipo “K”, pode ter as diagonais com afastamento ou com sobreposição. Este afastamento ou sobreposição, gera uma excentricidade na ligação que pode ser negativa ou positiva se estiver acima ou abaixo da linha do eixo geométrico do montante, respectivamente

 

Ligação “KT”

A ligação “KT” caracteriza-se por possuir duas diagonais e um montante, com afastamento, g*, entre eles. Este afastamento, assim como na ligação tipo “K”, causa excentricidade, que devido à distância entre as diagonais é positiva. Para cálculo da excentricidade, o valor de g da equação deve ser igual a duas vezes o afastamento mais o diâmetro da diagonal do montante (g=2g*+d3)

 

2. Programa experimental

O programa experimental foi realizado no Laboratório de Estruturas “Prof. Altamiro Tibiriçá Dias” do PROPEC/EM/UFOP, no âmbito do convênio UFOP/V&M do Brasil (Freitas et al., 2006), e utilizado para a calibração do modelo de elementos finitos. Foram realizados ensaios em nove protótipos diferentes, de ligações tipo K e KT. Nesse trabalho, foram analisadas quatro tipologias diferentes de protótipos.
Durante os ensaios, foram obtidas as deformações entre as diagonais ou destas com o montante. O esquema geral do ensaio é apresentado na Figura 1. As extremidades do banzo foram conectadas através de parafusos, ligando–os a peças de apoio, que foram fixadas na laje de reação.

 

2.1 Protótipos ensaiados

Os protótipos ensaiados foram fabricados em escala real, preservando, assim, parâmetros como imperfeições de fabricação. Peças de apoio e aplicação de carga foram projetadas de modo a viabilizar o esquema estrutural previsto. Esse esquema é composto de banzos engastados, montante comprimido (para ligações KT) e uma diagonal tracionada e outra comprimida.
Na Figura 2, têm–se os parâmetros geométricos das ligações e na, Tabela 1, os valores das dimensões dos protótipos ensaiados, sendo o protótipo N2 do tipo K e os protótipos N5, N7 e N8 do tipo KT. Na mesma figura, observamos, igualmente, os valores–limites das tensões de escoamento, fy, e de ruptura na tração, fu.

 

 

De acordo com o cálculo de limite teórico de flambagem, feito com base na formulação apresentada pelo EUROCODE 3 (2003), o carregamento último das ligações estudadas se caracteriza pela flambagem por plastificação da superfície do banzo, conectada às diagonais. Packer (1997) relata que nós tipo K e N com afastamento entre diagonais e montante, de seção transversal quadrada, necessitam de ser examinados apenas por esse modo de falha.
Segundo o EUROCODE 3 (2003), as ligações analisadas, nesse trabalho, apresentam carregamento nominal de dimensionamento de 327,20 kN, 136,60 kN, 125,40 kN e 420,00 kN, aplicados na diagonal para as ligações N2, N5, N7 e N8, respectivamente.

2.2 Instrumentação

Foram medidos deslocamentos a partir de deflectômetros de haste, em vários pontos dos protótipos, para monitoramento dos mesmos. Para medição de deformações específicas do material, foram usados extensômetros elétricos de resistência. Os extensômetros, tipo roseta, foram colados entre as diagonais e montante, para as ligações KT, entre diagonais para a ligação K, e na lateral do banzo, para todos os protótipos. A Figura 3 ilustra uma região instrumentada.

Para medição do carregamento aplicado a partir dos atuadores hidráulicos, foram utilizadas células de carga de diversas capacidades, de acordo com o carregamento aplicado em cada diagonal/montante. Para o controle do carregamento e obtenção das deformações específicas, foi usado um sistema automático de aquisição de dados.

3. Modelo numérico

Muitos programas comerciais, tais como PATRAN, FENGEN, ANSYS e ABAQUS/PRE, têm a capacidade de geração de malhas complexas de interseções de perfis tubulares. Dexter (1996), em um estudo sobre ligações do tipo K, comparou vários programas e concluiu ser o ANSYS o mais flexível e de mais fácil utilização. Para a geração dos modelos computacionais analisados, nesse trabalho, utilizou–se o programa ANSYS, versão 9.0 (Ansys, 2004).

3.1 Geração do modelo computacional

Para a geração da malha através do método dos elementos finitos, foi realizada análise com elementos de casca de 4 e 8 nós por elemento. Foi observado que, para as ligações em questão, os resultados apresentaram–se muito próximos, não justificando o uso do elemento de 8 nós, que, apesar de adaptar–se melhor às superfícies curvas, apresenta um elevado custo computacional. Dessa forma, foi escolhido o elemento de casca “Shell 181”, de quatro nós, com seis graus de liberdade por nó: translação nas direções x, y, e z e rotações em x, y, e z. Diversos pesquisadores têm utilizado esse elemento para a modelagem numérica com perfis tubulares (Morgan & Lee, 1998, Michillo, 2003, Lima et al., 2005, Mendanha et al., 2006, Mendanha, 2006).

3.2 Modelos numéricos

Foram feitas análises em diferentes modelos numéricos das ligações estudadas. Serão apresentados resultados de algumas dessas análises, com justificativas para sua adoção ou não na calibração do modelo.

1) Modelo RI – Esse modelo consiste na modelagem mais simples das analisadas, em que o banzo, composto com o perfil tubular retangular, foi modelado sem consideração da curvatura nas bordas oriundas da conformação mecânica do perfil.

2) Modelo PI – Esse modelo se difere do modelo “RI” por considerar a curvatura da borda do perfil retangular. A ASTM A500(1998) limita o raio externo de dobramento em três vezes a espessura do perfil. Nesse modelo, foi usado o raio externo de duas vezes a espessura do perfil que é compatível com as medições realizadas nos protótipos ensaiados.

Mais três modelos foram desenvolvidos, a partir do modelo PI, na tentativa de simulação da solda. São eles:

3) Modelo PIgap – Esse modelo refere–se ao modelo “PI” com aproximação das diagonais em uma vez a espessura do perfil. Esse artifício foi utilizado para simular o cordão de solda existente, baseado no estudo de Lalani (1993) para ligações tipo K com todos os perfis tubulares circulares.

4) Modelo PIS1 – Nesse modelo, foi feita a modelagem do cordão de solda a partir de elementos de casca, com geometria baseada em proposição feita por Lee e Wilmshurst (1995), para ligações multiplanares com afastamento, formada por perfis tubulares retangulares (Figura 4(a)). Para a modelagem da solda em questão, foi feita a geometria triangular proposta com comprimentos da perna de 1,5 ticosq e altura igual a 1,5 to, sendo que ti é a espessura da diagonal/montante, to, a espessura do banzo e q, o ângulo de inclinação da diagonal/montante, que foi extrudada no entorno elíptico e formada pela ligação da diagonal/montante com o banzo (Figura 4(b)). Na casca formada, foram aplicadas propriedades mecânicas intrínsecas da solda.

5) Modelo PIS2 – Para esse modelo, a solda foi simulada através da introdução de elementos inclinados, onde foram consideradas as características mecânicas da solda e suas dimensões. (Fig 5)

 

 

 

Na análise de todos os modelos numéricos, foi utilizado material com relação tensão x deformação representado por diagrama bilinear, com endurecimento isotrópico. Esse diagrama foi elaborado a partir dos resultados dos ensaios de caracterização do aço dos protótipos testados. As condições de contorno consideram a restrição de todos os graus de liberdade dos nós nas extremidades do banzo.

4. Análise numérica experimental

Em todas as análises realizadas, constata–se que os maiores valores de tensões estão localizados na face superior do banzo e entre as diagonais, o que é ilustrado na Figura 6 relativa a análise do modelo PI da ligação N2. Observa–se, também, na face lateral do banzo, variação de tensões menos importante do que aquela observada na superior.

 

A partir dos resultados obtidos, foram realizadas comparações com os resultados experimentais dos protótipos apresentados na Tabela 1. Para exemplificar as comparações, foram traçados gráficos, relacionando o carregamento aplicado na diagonal tracionada e a tensão de von Mises, nos três pontos onde foram medidas as deformações por extensômetros.
Os gráficos apresentados referem–se aos protótipos N8 e N5, sendo o primeiro aquele com maior nível de carregamento na diagonal tracionada e o segundo com a menor espessura da parede do banzo. Os gráficos referentes aos protótipos N2 e N7, assim como os demais gráficos referentes ao Protótipo N5, tiveram o mesmo comportamento.
Para o protótipo N8, têm–se, nas Figuras 7 e 8, os valores do carregamento na diagonal tracionada em função da tensão de von Mises entre as diagonais e montantes e, na Figura 9, em função da tensão de von Mises na lateral do banzo.

 

Pode–se observar que a modelagem da curvatura da borda do perfil retangular, modelo PI, leva a uma melhor aproximação com os resultados experimentais. Observa–se, também, que a tentativa de simulação da solda, através do modelo PIgap, conforme proposto por Lalani (1993) para ligações formadas por perfis tubulares circulares, não apresentou bons resultados para as ligações analisadas nesse trabalho, onde o banzo tem forma retangular. Entre os modelos relacionados, observa–se que o modelo PIS1 apresentou os melhores resultados.

Na Figura 8, para o ponto relativo à localização da roseta 2, todos os modelos apresentaram a mesma tendência linear ao longo de quase todo o carregamento. A análise computacional foi interrompida em todos os modelos, devido a um deslocamento excessivo do modelo. Esse deslocamento provocou um ponto de inflexão acentuado no gráfico, em função de as características mecânicas do material serem regidas, no modelo, por um diagrama tensão x deformação bilinear. Assim, quando toda a região, entre uma diagonal e o montante, atinge o limite de escoamento, a região perde rigidez e a diagonal gira em torno da face superior do banzo, ocasionando alívio de tensões.

Para o ponto localizado na face lateral do banzo, correspondente à roseta 3, os resultados computacionais apresentaram boa correlação com os resultados experimentais, para todos os protótipos, podendo–se perceber até o nível de carregamento que ocasiona a plastificação da face superior do banzo (Figura 9).

Observa–se, na Figura 10, referente ao protótipo N5, que os resultados experimentais apresentam–se, inicialmente, próximos aos resultados dos modelos numéricos. Em seguida, a curva referente aos resultados experimentais tem maior inclinação e a tensão no ponto aumenta rapidamente, caracterizando o escoamento do material, distanciando–se, gradativamente, das curvas referentes aos modelos numéricos. O escoamento do material foi observado para uma tensão inferior ao limite de escoamento, obtido da caracterização do material, devido ao banzo apresentar menor espessura e a ligação apresentar o menor “gap”. Sendo assim, os fatores que alteram as propriedades do material, nos locais da solda, como o tempo e a temperatura de soldagem, são mais significativos para essa ligação.

 

O modelo PIS2, que tem a interface entre as diagonais/montante e o banzo representada por um elemento de ligação, apresentou resultados próximos ao experimental até, aproximadamente, 60% do carregamento, para as ligações analisadas experimentalmente, seguindo a mesma trajetória do modelo PIS1 até esse ponto. Adicionalmente, o modelo PIS2 apresenta uma modelagem mais simples e com uma economia, no número de nós, na malha de elementos finitos, em comparação com o modelo PIS1.

5. Conclusões

O presente trabalho teve, como objetivo principal, o desenvolvimento de um modelo numérico representativo de ligações tubulares de treliças, assim como a avaliação da metodologia de ensaio experimental, contribuindo, assim, para o desenvolvimento da linha de pesquisa sobre ligações de estruturas metálicas tubulares.

Verifica–se que a comparação dos resultados numéricos com os experimentais, em relação à distribuição de tensões, mostrou uma boa correlação, indicando que os modelos numéricos utilizados são adequados e a modelagem do cordão de solda exerce papel fundamental na distribuição de tensões na face superior do banzo.

A modelagem do raio de dobramento do perfil de seção retangular mostrou–se necessária para modelos de paredes mais espessas, o que está associado à distribuição de tensões residuais oriundas da conformação a frio dos perfis retangulares. As tensões na parede lateral do banzo da ligação pouco se alteram nos diferentes modelos analisados, independentemente da distribuição de tensões na face superior.

Os elementos de casca de 4 e 8 nós, usados na geração de um modelo de ligação tipo K, apresentaram um comportamento muito próximo, sendo que o modelo formado por elementos de 8 nós demandou um custo computacional bem mais alto.

Entre os modelos analisados, destacou–se o modelo PIS1, que considerou o cordão de solda com comprimentos da perna de 1,5ticosq e altura igual a 1,5to, sendo ti a espessura da diagonal/montante, to, a espessura do banzo e q, o ângulo de inclinação da diagonal/montante, além das diagonais/montante estarem em contato com o banzo.

Nas análises das ligações denominadas N5, N7 e N8, que apresentam grande excentricidade, ressalta–se a importância da consideração das condições de contorno na extremidade das diagonais/montante e banzo para distribuição de tensões na face do banzo e melhor monitoramento dessa região.

Referências bibliográficas

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