Avaliação do emprego de carepa de aço como agregado miúdo em concreto

1- Introdução

A preocupação com a preservação do meio ambiente e aspectos vinculados à gestão ambiental é crescente nos últimos anos, apresentando-se como uma constante nos diversos segmentos industriais (Levy, 2001). A disposição inadequada dos resíduos, com deposição de grandes quantidades em locais impróprios, ocasiona efeitos deletérios ao meio ambiente, gerando riscos de contaminação do solo, atmosfera e fontes de água. Consequência direta desse fato são os recentes avanços no desenvolvimento de novos materiais pelo aproveitamento de resíduos de diversos setores produtivos como subproduto de valor agregado, visando a assegurar a integração e o equilíbrio entre o desenvolvimento industrial e a proteção ambiental.

A carepa de aço é um resíduo sólido gerado na fabricação do aço, produzida na oxidação da superfície do aço quando este se encontra em elevada temperatura. O metal em alta temperatura reage com o oxigênio formando óxidos de ferro com baixa aderência, os quais constituem a carepa. A carepa deve ser removida para evitar inclusões que diminuem a qualidade do aço durante sua conformação mecânica por laminação ou outro processo de deformação plástica. Dados apresentados por Oliveira (2004) revelam que, em usinas integradas, a produção de 1 tonelada de aço produz 10 kg de carepa. A disposição da carepa de aço em pátios deve ser realizada seguindo-se as normas ambientais pertinentes, visto que esse resíduo é classificado como classe I, resíduos perigosos, segundo a NBR 10004 (2004).

Alguns resíduos provenientes de operações de siderurgia e metalurgia já possuem uso consagrado e disseminado no setor da construção civil, como, por exemplo, as escórias granuladas de alto-forno provenientes da produção do ferro-gusa, utilizadas na fabricação de cimentos Portland (Moura, 2000). Alternativas para a utilização de subprodutos decorrentes da fabricação do aço, como a escória de aciaria (Masuero, 2001) e a carepa de aço, vêm sendo desenvolvidas, podendo vir a viabilizar a redução do consumo de matérias-primas naturais e os impactos decorrentes da sua extração no meio ambiente.

Estudos realizados pela Gerdau (2003) verificaram a viabilidade de reciclagem da carepa de aço em artefatos de cimento para calçamento, através da substituição da areia e brita por carepa, apontando, assim, para a possibilidade da obtenção de produtos com custo significativamente inferior aos existentes no mercado. Cunha et al. (2006) e Martins (2006) realizaram as caracterizações física, química e mineralógica da carepa de laminação, as quais permitiram investigar suas propriedades e potencialidades industriais. Al-Otaibi (2008) investigou a possibilidade de reciclar carepa de aço em materiais cimentícios como agregado miúdo, analisando argamassas de cimento Portland com teores de 0%, 20%, 40%, 50%, 70% e 100%. Os valores de resistência à compressão e tração na flexão das argamassas, para todas as idades analisadas (3, 7 e 28 dias), aumentaram com a substituição de até 40% de carepa de aço, havendo, também, redução da retração por secagem das argamassas com 70% de carepa de aço.

Dentro desse contexto, a utilização da carepa de aço pode apresentar-se como alternativa relevante na produção de concretos de cimento Portland, sendo imperativo, no entanto, estudos de viabilidade técnica e da potencialidade do emprego desse material. O presente trabalho apresenta, como objetivo, avaliar a viabilidade de incorporação da carepa de aço em concretos de cimento Portland, como substituição de areia natural quartzosa normalmente utilizada na sua produção, analisando-se a resistência à compressão e a absorção de água de concretos com diferentes teores do resíduo.

2- Materiais e Métodos

Nesse estudo, foi utilizado cimento do tipo CP IV-32, por ser amplamente utilizado no Estado do Rio Grande do Sul, com características de acordo com as especificações da ABNT NBR 5736 (1991). Como agregados, foram utilizadas areia natural quartzosa proveniente do leito do rio Jacuí, comercialmente denominada areia regular, e brita de origem basáltica com dimensão máxima característica 19 mm. A carepa de aço (Figura 1) foi proveniente da Siderúrgica Gerdau Riograndense, localizada em Sapucaia do Sul/RS. Na produção dos concretos, foi utilizada água proveniente da rede de abastecimento local da ULBRA Canoas. A Tabela 1 apresenta a composição granulométrica dos agregados e da carepa de aço, determinada de acordo com a ABNT NBR NM 248 (2003), bem como a massa específica dos mesmos, determinada pelo método do picnômetro.

 

A análise elementar dos metais da carepa foi realizada por espectrofotometria de absorção atômica ou plasma por acoplamento indutivo (ICP), conforme o Standard Methods 3500 (Water Environment Federation, 2005), após digestão de amostras submetidas a sucessivos quarteamentos, exceto os elementos silício e titânio, os quais foram analisados conforme as metodologias EPA 6010 B e ICP- SM 3120 B, respectivamente. O teor de umidade foi determinado pelo método gravimétrico e o teor de óleos e graxas pelo método EPA 9071-B. As principais fases constituintes da carepa foram determinadas por difratometria de raios X (DRX) em um difratômetro RIGAKU RMN3Kw-B D/MAX-2100, usando radiação CuKa de comprimento 1.5418 Å.

Para a confecção do concreto, foram realizadas dosagens de concreto pelo método IPT/EPUSP apresentado por Helene & Terzian (1992), com traços de concreto de 1:3,5; 1:5,0 e 1:6,5, com teores de carepa de 0%, 10%, 25% e 40%, utilizada como agregado miúdo em substituição à areia natural. O ensaio de abatimento pelo tronco de cone, fixado na faixa de (110 ±10) mm, foi realizado conforme NBR NM 67 (ABNT, 1998). Tendo em vista a diferença das massas específicas da areia natural e da carepa de aço, foi realizada a correção da massa de agregado miúdo, de modo a manter-se constante, para cada combinação traço/teor de carepa, o consumo de cimento por metro cúbico de concreto. A Tabela 2 apresenta a proporção em massa dos materiais para os diferentes traços.

Para a realização dos ensaios de resistência à compressão e absorção de água, foram utilizados corpos-de-prova cilíndricos (10 x 20 cm), moldados segundo a NBR 5738 (ABNT, 2003), para cada combinação de traço e porcentual de carepa, sendo dois corpos-de-prova para o ensaio de resistência à compressão, para cada idade de ensaio, e três corpos-de-prova, para o ensaio de absorção de água. Os ensaios de resistência à compressão foram realizados conforme os procedimentos estabelecidos na NBR 5739 (ABNT, 2007), aos 7 e 28 dias de idade, com capeamento à base de enxofre, em prensa eletrohidráulica com capacidade de 150 toneladas, e os ensaios de absorção de água, conforme as recomendações da NBR 9778 (ABNT, 2006). A partir das curvas de comportamento obtidas (diagramas de dosagem), foram calculados os parâmetros de resposta para relações a/c 0,55 e 0,65.

3. Resultados e discussão

Análise química e mineralógica da carepa de laminação

A Tabela 3 mostra o resultado médio da composição química da carepa de laminação coletada no ano de 2008. Observa-se uma concentração de elementos menor que a apresentada em trabalho de Cunha et al. (2006), com exceção do elemento silício, que apresentou concentração semelhante. De fato, a composição química da carepa de laminação depende do processo siderúrgico utilizado para a fabricação do aço.

Através de difratometria de raios X (DRX), foi possível determinar as formas mineralógicas do elemento Fe, constituinte majoritário da carepa. O Fe encontra-se, principalmente, na forma magnetita (Fe3O4) em concentração de 40% em massa, seguido das formas wustita (FeO) com 29% e hematita (Fe2O3) com 23%. Foi possível detectar, também, o elemento cobre. Cabe salientar que a técnica DRX é semiquantitativa, sendo baseada nas formas cristalinas detectadas pelo software do Centro Internacional de Dados para Difração de Raios X. Outras formas cristalinas e partes amorfas contidas na carepa podem encontrar-se encobertas, devido à sobreposição com os picos atribuídos às formas do Fe, e, também, estar abaixo do limite de susceptibilidade do método. A Figura 2 mostra o difratograma para a carepa de laminação.

3.2 Avaliação das propriedades do concreto

A Tabela 4 apresenta os resultados obtidos na produção dos concretos e a Tabela 5, os resultados dos ensaios de resistência à compressão e absorção de água.

 

Na Figura 3, são apresentados os diagramas de dosagem obtidos a partir da produção dos concretos e realização dos ensaios de resistência à compressão.

A Figura 4 apresenta os resultados de resistência à compressão, determinados a partir dos diagramas de dosagem, para as relações água/cimento 0,55 e 0,65, preestabelecidas para comparação do desempenho dos concretos com os diferentes teores de carepa de aço analisados.

Na Figura 5, são apresentados os resultados da absorção de água para as relações água/cimento 0,55 e 0,65, determinados a partir das curvas de comportamento apresentadas na Tabela 6.

Os resultados mostram que a utilização de carepa de aço aumentou o teor de água (H%) para a manutenção de um mesmo abatimento. A análise das curvas de comportamento indicou redução da resistência à compressão para concretos com relações água/cimento 0,55 e 0,65 e uma maior absorção de água, quando é utilizada a carepa de aço em substituição à areia natural.

Para concretos com relação água/cimento 0,55, com os teores de carepa 10%, 25% e 40%, a resistência à compressão diminuiu, respectivamente, 17%, 18% e 24%, em relação ao concreto de referência (redução média de 20%). A absorção de água aumentou, respectivamente, 80%, 82% e 10% em relação ao concreto de referência. Já os concretos com relação água/cimento 0,65 apresentaram com a substituição de 10%, 25% e 40% resistência à compressão, respectivamente, 19%, 23% e 26% menor em relação ao concreto de referência (redução média de 23%). Para essa mesma relação água/cimento, a substituição de 10%, 25% e 40% de areia natural por carepa de aço aumentou a absorção de água, respectivamente, em 59%, 66% e 8%.

Uma hipótese considerada para a redução da resistência à compressão é a presença de óleos e graxas na carepa de aço (0,25% conforme Tabela 2), oriundos da laminação e lingotamento contínuo, que podem influenciar nas reações de hidratação do cimento Portland.

Já Goergen (2006), ao estudar o emprego de carepa de aço em concretos para confecção de peças pré-moldadas de pavimentação, concluiu que o resíduo melhorou em cerca de 10% a resistência à compressão dos concretos em relação ao concreto convencional, sem modificações relevantes na trabalhabilidade. No entanto, os traços utilizados, com e sem a carepa de aço, apresentam porções de materiais distintos. Al-Oitabi (2008) também verificou aumento de resistência à compressão aliada à redução da retração por secagem em argamassas de cimento Portland com carepa de aço como agregado miúdo. Ainda, Almeida (2009), ao estudar a incorporação de carepa de aço, livre de óleo, para produção de blocos de concreto para alvenaria, verificou que os elementos com carepa apresentaram desempenho superior em relação aos blocos de concreto convencionais. No entanto, o autor constatou a formação de manchas ferruginosas na superfície dos blocos após exposição às intempéries. Prado et al. (2008) estudaram a utilização de carepa de aço, gerada durante o oxicorte do aço, em substituição ao agregado miúdo de concretos, para verificação do potencial de blindagem à radiação dos concretos produzidos com o agregado metálico, Os autores concluíram que o material estudado mostrou ser uma alternativa para blindagem de estabelecimentos de saúde com atividades de teleterapia.

4. Conclusões

O desenvolvimento dessa pesquisa mostrou variação no desempenho do concreto de cimento Portland ao utilizar carepa como agregado miúdo. De acordo com os resultados, é possível concluir que:

  • O emprego da carepa de aço aumentou a demanda de água para a manutenção da trabalhabilidade requerida.
  • Concretos, tanto com relação a/c igual a 0,55, como com relação a/c igual a 0,65, apresentaram uma redução média na resistência à compressão de 20% e 23%, respectivamente, em relação ao concreto de referência.
  • A absorção de água para concretos com relações a/c 0,55 e 0,65 apresentou um aumento médio de 57% e 44%, respectivamente, em relação ao concreto de referência.
  • Para a confirmação do potencial de utilização da carepa de aço em materiais cimentícios, sejam concretos ou argamassas, estudos adicionais devem ser realizados, visto os resultados obtidos na presente pesquisa indicarem a possível influência da contaminação por óleos ou graxas do resíduo no desempenho observado. Investigações com carepa livre de contaminação têm demonstrado a potencialidade do emprego desse resíduo em concretos, demonstrando ser uma alternativa de reciclagem.

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Autores:

Fernanda Macedo Pereira
José Carlos Krause de Verney
Denise Maria Lenz

Fonte: Seielo