O desenvolvimento dos diversos sistemas estruturais e construtivos fez surgir, entre outros, os sistemas formados por elementos mistos aço-concreto, cuja combinação de perfis de aço e concreto visa aproveitar as vantagens de cada material, tanto em termos estruturais como construtivos. Nas construções mistas, o concreto foi primeiramente usado, no início do século, como material de revestimento, protegendo os perfis de aço contra o fogo e a corrosão e embora o concreto pudesse ter alguma participação em termos estruturais, sua contribuição na resistência era desprezada. Hoje, vigas, colunas e lajes mistas são intensamente usadas em edifícios multiandares no exterior e estão evoluindo no Brasil . A construção em sistema misto é competitiva para estruturas de vãos médios a elevados, caracterizando-se pela rapidez de execução e pela significativa redução do peso total da estrutura.

IDENTIFICAÇÃO DOS ELEMENTOS ESTRUTURAIS

Nos edifícios usuais, os elementos estruturais que compõem o sistema estrutural global podem ser divididos didaticamente em lajes, vigas e pilares ou a união destes elementos que devem ter resistência mecânica, estabilidade, rigidez, resistência à fissuração e a deslocamentos excessivos para poderem contribuir de modo efetivo na resistência global do edifício. Se forem necessários, para melhorar a resistência às ações do vento, podem ser dispostos painéis verticais constituídos por pilares paredes ou elementos de contraventamento vertical como as diagonais.

LAJES MISTAS

O sistema de lajes mistas consiste na utilização de uma fôrma permanente nervurada de aço, como suporte para o concreto antes da cura e da atuação das cargas de utilização. Após a cura do concreto, os dois materiais, a fôrma de aço e o concreto, solidarizam-se estruturalmente, formando o sistema misto. A fôrma de aço substitui então a armadura positiva da laje (fig. 1).
São diversas as funções das fôrmas de aço empregadas nas lajes mistas. Além de suportarem os carregamentos durante a construção e funcionarem como plataforma de trabalho, contraventam a estrutura, desempenhando o papel de diafragma horizontal, distribuem as deformações por retração, evitam a fissuração excessiva do concreto, apresentam vantagens como a possibilidade de dispensa do escoramento da laje e a facilidade oferecida à passagem de dutos e instalações. O comportamento misto é alcançado após a cura do concreto da laje, quando a fôrma de aço transmite as tensões cisalhantes horizontais na interface com o concreto através de ligações mecânicas fornecidas por saliência  e reentrâncias (mossas) existentes na fôrma.

Dimensionamento

A altura total da laje mista (h) deve ser maior ou igual a 90mm e a espessura de concreto sobre a fôrma (hc) deverá ser de no mínimo 50 mm (fig. 2);

  • em função da escassez de fabricantes de fôrmas incorporadas ao concreto, há pequena variedade de perfis, de tal forma que podemos estimar para as lajes, alturas médias de 120 mm a 150mm;
  • armaduras de distribuição e de combate à retração devem ser colocadas a uma distância mínima de 20mm do topo da laje, com área mínima equivalente a 0,1% da área de concreto acima da fôrma.

Devem ser considerados os seguintes estados limites:

Antes da cura do concreto submetida ao peso próprio da fôrma, do concreto fresco e sobrecarga mínima de 1,00kN/m2 ou 2,2 kN/m2 perpendicular às nervuras:

  • flexão e cisalhamento vertical da fôrma de aço segundo as recomendações de resistência da NBR 14762;
  • flecha da fôrma limitada a 20mm ou vão/180.
Após a cura do concreto submetida às ações de cálculo atuantes no pavimento:
  • área da fôrma de aço como armadura positiva resistente ao momento fletor. Se necessário, aplicar armadura adicional;
  • cisalhamento longitudinal na interface dos materiais, dependente da aderência entre eles;
  • cisalhamento vertical e punção para cargas concentradas;
  • flecha da fôrma limitada ao vão/350;
  • deslizamento relativo de extremidade e fissuração excessiva no concreto segundo as recomendações da NBR 6118.

                                                                                                                                                             Figura 2

Montagem e Fixação

Após a conclusão da montagem das vigas de aço da estrutura, pode-se prosseguir com a instalação dos painéis das fôrmas de aço e de seus acessórios atendendo as seguintes recomendações:
  • nivelamento correto da mesa superior da viga de aço, de modo a obter um perfeito contato entre a fôrma e a viga;
  • remoção de ferrugem, rebarbas, respingos de solda e de oleosidades em geral;
  • remoção da pintura e umidade nas proximidades da região de soldagem.
Após as conferências necessárias, os painéis são posicionados sobre o vigamento. É usual a necessidade de recortes e ajustes nos cantos e no contorno de pilares, a fim de adaptar a laje à geometria da edificação. Uma vez realizados todos os ajustes e o alinhamento, os painéis devem ser fixados à estrutura por meio de pontos de solda bujão ou solda tampão. Após o término da montagem da fôrma de aço, devem ser fixados os conectores de cisalhamento. Estes conectores deverão ser soldados à viga, através da fôrma de aço, mediante um equipamento de solda por eletrofusão (fig. 3). O conector mais utilizado no sistema de lajes e vigas mistas é o tipo pino com cabeça (stud bolt).
Concluídas a montagem, fixação da fôrma e instalação dos conectores de cisalhamento, pode-se dar início à instalação das armaduras adicionais das lajes e ao lançamento do concreto (fig. 4).

CONECTORES DE CISALHAMENTO

Realizam a ligação entre o elemento de aço e a laje de concreto. Cumprem a função de absorver os esforços de cisalhamento nas duas direções e de impedir o afastamento vertical entre a laje e a viga de aço (fig. 5).

Cuidados na Fixação dos Conectores

  • Evitar a presença de umidade na soldagem do conector, sendo conveniente que a aplicação dos conectores seja feita logo após a montagem da fôrma de aço, evitando a possibilidade de acúmulo de água entre os painéis e a face superior das vigas de aço;
  • Os conectores não devem ser soldados através de mais de um painel de fôrma.
  • A espessura total da fôrma de aço não deve exceder 1,25 mm para fôrmas galvanizadas e 1,50 mm no caso de fôrmas não galvanizadas.
         
FIGURA 4: Etapas construtivas da laje mista
FIGURA 5: Tipos usuais de conectores

Dimensionamento

Devem ser considerados os seguintes estados limites:

  • esmagamento do concreto em contato com o conector;
  • ruptura do conector submetido ao cisalhamento longitudinal.

VIGAS MISTAS

As vigas mistas resultam da associação de uma viga de aço com uma laje de concreto ou mista, cuja ligação é feita por meio dos conectores de cisalhamento, geralmente soldados à mesa superior do perfil. Em edifícios, o perfil mais utilizado como viga de aço é do tipo “I”. As lajes de concreto podem ser moldadas in loco, com face inferior plana ou com fôrma de aço incorporada (fig. 6), ou ainda, podem ser formadas de elementos pré-fabricados. Uma das vantagens da utilização de vigas mistas em sistemas de pisos é o acréscimo de resistência e de rigidez propiciados pela associação dos elementos de aço e de concreto, o que possibilita a redução da altura dos elementos estruturais, resultando em economia de material.

As vigas mistas podem ser simplesmente apoiadas ou contínuas. As simplesmente apoiadas contribuem para a maior eficiência do sistema misto, pois a viga de aço trabalha predominantemente à tração e a laje de concreto à compressão. Com relação ao método construtivo, pode-se optar pelo não escoramento da laje devido à necessidade de velocidade de construção. Por outro lado, o escoramento da laje pode ser apropriado caso seja necessário limitar os deslocamentos verticais da viga de aço na fase construtiva.

Dimensionamento

Devem ser considerados os seguintes estados limites:

– construções não escoradas, antes da cura do concreto submetida ao peso próprio dos materiais, concreto fresco, sobrecarga construtiva, operários e equipamentos:

  • a viga de aço isolada deve ser verificada à flexão e cisalhamento vertical segundo as recomendações de resistência da NBR 8800;
  • flecha da viga de aço, que será uma parcela da deformação total da viga mista.

– após o concreto atingir 0,75fck, submetida às ações de cálculo atuantes no pavimento:

  • flexão da viga mista e cisalhamento da viga de aço. O procedimento de verificação depende da posição da linha neutra na seção transversal da viga mista – passando pela alma, pela mesa do perfil de aço ou pelo concreto;
  • tensão na mesa inferior da viga de aço;
  • flecha, utilizando a inércia da seção transformada, somada à flecha residual da viga de aço.

Para construções escoradas, apenas as verificações após a cura do concreto serão necessárias.

PILARES MISTOS

Os pilares mistos, de maneira geral, são constituídos por um ou mais perfis de aço, preenchidos ou revestidos de concreto. A combinação dos dois materiais em pilares mistos propicia além da proteção ao fogo e à corrosão, o aumento da resistência do pilar. Essa combinação contribui para o aumento na rigidez da estrutura aos carregamentos horizontais. A ductilidade é outro ponto que diferencia os pilares mistos, os quais apresentam um comportamento mais “dúctil” quando comparados aos pilares de concreto armado.

Existem também outras vantagens, tal como a ausência de fôrmas, no caso de pilares mistos preenchidos, possibilitando a redução de custos com materiais, mãode- obra e agilidade na execução.
Os pilares mistos são classificados em função da posição em que o concreto ocupa na seção mista. A figura 7 ilustra algumas seções típicas de pilares.

Os pilares mistos revestidos caracterizam- se pelo envolvimento, por completo, do elemento estrutural em aço, conforme ilustra a figura 7(a). A presença do concreto como revestimento, além de propiciar maior resistência, impede a flambagem local dos elementos da seção de aço, fornece maior proteção ao fogo e à corrosão do pilar de aço. A principal desvantagem desse tipo de pilar é a necessidade de utilização de fôrmas para a concretagem, tornando sua execução mais trabalhosa, quando comparada ao pilar misto preenchido.

Os pilares mistos, parcialmente revestidos, caracterizam-se pelo não envolvimento completo da seção de aço pelo concreto, conforme ilustra a figura 7(b). Os pilares mistos preenchidos são elementos estruturais formados por perfis tubulares, preenchidos com concreto de qualidade estrutural, conforme a figura 7(c) e (d). A principal vantagem é que este dispensa fôrmas e armadura e é possível ainda a consideração do efeito de confinamento do concreto na resistência do pilar misto.

Dimensionamento segundo a NBR 14323:

  • Os pilares mistos devem ter dupla simetria e seção transversal constante.
  • A contribuição do perfil de aço em relação à resistência total do pilar misto deve estar entre 20% e 90%;
  • Seções transversais preenchidas com concreto podem ser fabricadas sem qualquer armadura, exceto em situação de incêndio. Para os demais casos, a área da seção transversal da armadura longitudinal não deve ser inferior a 0,3% da área do concreto.
  • Para as seções totalmente revestidas, os cobrimentos deverão estar dentro dos seguintes limites:
  • 40 mm < cy < 0,3d e cy > bf/6
  • 40 mm < cx < 0,4bf e cx > bf/6
  • onde cy e cx são os recobrimentos nas direções x e y respectivamente
  • Quando a concretagem for feita com o pilar montado, deve-se comprovar que o pilar puramente metálico resiste às cargas aplicadas antes da cura.
  • Para as seções total ou parcialmente revestidas, devem existir armaduras longitudinais e transversais para garantir a integridade do concreto. As armaduras longitudinais podem ser consideradas ou não na resistência e na rigidez do pilar misto. O projeto das armaduras deve atender aos requisitos da NBR 6118.
  • Os estados limites de flexo-compressão, considerando a rigidez efetiva do pilar misto, deve ser verificada, utilizando as curvas a, b e c de flambagem. A esbeltez reduzida deve ser < 2. A verificação é baseada na curva de interação entre N x M.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A seqüência construtiva de um edifício em estrutura mista aço-concreto, deve ser cuidadosamente considerada pelo engenheiro calculista e pelo engenheiro de obra. Vale ressaltar que a estabilidade e a resistência finais frente às ações horizontais do vento não são imediatamente atingidas até o endurecimento do concreto.

Podem ocorrer problemas de estabilidade do edifício se um número elevado de pavimentos for montado sem a correspondente concretagem, além de sobrecarregar os pilares de aço dos primeiros pavimentos. É por esta razão que se deve limitar o número de pavimentos por etapa de concretagem, durante a fase construtiva.

Por outro lado, se as atividades relacionadas com a montagem da estrutura metálica e a concretagem estiverem muito próximas no tempo, poderá ocorrer perda da eficiência na construção.

É preciso salientar que reduzir ao máximo possível o número de concretagem, respeitando-se os limites de resistência do pilar de aço isolado na fase de execução, é um procedimento vantajoso nesses tipos de edifícios.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  • ALVA, G. M. S. (2000). Sobre o projeto de edifícios em estruturas mistas aço – concreto. São Carlos. Dissertação (Mestrado)
    Escola de Engenharia de São Carlos, Universidade de São Paulo.
  • ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS (1986). NBR – 8800: Projeto e execução de estruturas de aço. Rio de Janeiro.
  • ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS (1999). NBR – 14323: Dimensionamento de estruturas de edifícios em situação de incêndio – Procedimento. Rio de Janeiro.
  • MALITE, M. (1998). Vigas mistas aço-concreto: ênfase em edifícios. São Carlos – Escola de Engenharia de São Carlos, Universidade de São Paulo.
  • SÁLES, J. J. (1995). Estudo do projeto e da construção de edifícios de andares múltiplos em estruturas de aço. São Carlos. 257 p. Tese (Doutorado) – Escola de Engenharia de São Carlos, Universidade de São Paulo.

Fonte: Revista Construção Metálica – Edição nº 73 – ABCEM