Casas sustentáveis: o que mudar desde a construção até a mobília

Medidas para se encaminhar nesta direção são variadas e, às vezes, mais simples do que se espera

Mudanças climáticas, crise hídrica, aumento na conta de energia, motivos não faltam para começar a pensar em uma forma de morar mais sustentável. As medidas para se encaminhar nesta direção são variadas e, às vezes,  mais simples do que se espera.Mudanças climáticas, crise hídrica, aumento na conta de energia, motivos não faltam para começar a pensar em uma forma de morar mais sustentável. As medidas para se encaminhar nesta direção são variadas e, às vezes, mais simples do que se espera.

Uma maior adaptação ao ambiente é uma das peças fundamentais nesta questão, com o melhor aproveitamento dos recursos naturais, da incidência solar ao vento. A prioridade de materiais de menor impacto, recicláveis e reutilizados/reutilizáveis também vai do projeto à mobília.

Em casa
Adaptações aliam sustentabilidade e conforto térmico em ambientes residenciais

Consumo, materiais, comportamento, espaço público e outros tantos fatores entram na discussão. O tema da habitação mais sustentável foi discutido durante a programação da 11ª Virada Sustentável, que se encerra nesta quarta-feira, 22, com parceria do Estadão e que pode ser conferida no viradasustentavel.org.br.

Um termo relacionado ao assunto e que tem sido difundido nos últimos anos é o “greenwashing” (“lavagem verde”, em inglês). Ele significa dar a aparência de algo sustentável para algo que não o é. Além disso, também há  propagação de soluções que, por vezes, não são as mais adequadas.

O consultor ambiental Luiz Henrique Ferreira, CEO da Inovatech Engenharia, dá um exemplo prático: implantar um sistema de irrigação do jardim com água de reúso. A medida pode ser, sim, sustentável, porém teria ainda menor impacto e praticidade se as plantas fossem adaptadas ao ambiente e precisassem de pouco ou nenhum tratamento automatizado.

“Uma grama esmeralda consome muito mais água que uma grama amendoim, assim como uma jabuticabeira consome muito mais que um limoeiro”, compara.

O caso também demonstra que a avaliação das características do ambiente é um ponto fundamental neste tema, a fim de obter maior eficiência e reduzir a necessidade de manutenções e novos investimentos. “Percebo que ainda há uma falta de conhecimento muito grande sobre o tema”, comenta. “Não existe receita de bolo, cada projeto é um projeto.”

Ferreira comenta que alguns recursos tecnológicos podem contribuir em projetos, como a internet das coisas para o monitoramento de vazamentos, por exemplo, porém não são essenciais. “Confundir sustentabilidade com tecnologia também é um exagero, ela ajuda. Assim como a cor da fachada pode gerar um passivo de consumo de energia para a climatização.”

Professora do Instituto Federal Fluminense, a arquiteta Paolla Clayr considera ainda haver uma visão de que a sustentabilidade é algo difícil de ser aplicado na prática, distante. Ela aponta que o primeiro aspecto é enxergar uma construção como um ecossistema, interligado às características de onde está, climáticas, de solo, de vizinhança, etc.

Utilizar o sol e o vento a favor

A incidência solar, o vento, a incidência de chuva, o relevo e outros são elementos que podem ser utilizados a favor da sustentabilidade, destaca a arquiteta Paolla Clayr. Na pandemia, por exemplo, a contribuição da ventilação cruzada (que atravessa ambientes) ficou evidente por dificultar a disseminação da covid-19, mas também pode contribuir na troca de calor.

Da mesma forma, árvores do lado de fora podem contribuir para reduzir o aquecimento dos ambientes e se tornam barreiras contra o vento. A vegetação exerce, aliás, este papel até mesmo dentro das edificações,  especialmente junto das janelas e nas paredes que recebem maior incidência de sol, amenizando a absorção de calor.

A professora comenta que a incidência solar é um fator importante para manter um ambiente saudável, porém, quando elevada, diminui o conforto térmico e acaba demandando maior consumo de energia para refrigeração. Por isso, é um elemento essencial para ser observado em projetos, como na adoção de brises, escolha da pintura da fachada (por cores claras) e outros elementos de controle.

O arquiteto Marcelo Nudel, sócio-diretor da Ca2 Consultores, explica que essas avaliações geralmente são avaliadas a partir de modelos digitais, que estimam o conforto térmico e afins a partir da incidência solar, do material utilizado, do tamanho das janelas etc. “É uma forma de entender os fenômenos bioclimáticos ao redor da futura edificação, de fazer as melhores escolhas e não ter surpresas”, diz.

Ele percebe que o interesse pelo tema cresceu, mas ainda é bem restrito. Além disso, percebe que as exigências legais brasileiras são bem menores neste aspecto. “Um edifício do dia a dia na Austrália, na Inglaterra ou na Espanha, mesmo sem certificado, geralmente é mais sustentável do que muitos certificados que temos no Brasil, porque a lei obriga.”

Materiais de menor impacto e mais autossustentáveis

Outro ponto é a adoção de sistemas construtivos que utilizem fontes renováveis e de menor impacto ambiental, como a madeira engenheirada certificada, o bambu, a terra e afins. Essas opções ainda atraem menos interesse e, consequentemente, há uma mão de obra qualificada reduzida, constata o arquiteto Rafael Loschiavo, fundador do escritório Ecoeficientes.

No Guia Sustentabilidade na Arquitetura, da Associação Brasileira dos Escritórios de Arquitetura (AsBea), são elencados pontos a serem avaliados na escolha dos materiais: desempenho técnico, consumo de água e energia no processo de produção, uso de recursos locais, facilidade de reuso ou reciclagem, vida útil, redução da geração de resíduos (como elementos modulares e pré-fabricados) e outros.

A discussão de sustentabilidade passa em grande parte também por uma melhor gestão dos resíduos e aproveitamento do que o entorno pode oferecer. Dentro disso, entra a possibilidade de captação de energia com células fotovoltaicas ou de aquecimento por meio da energia solar, enquanto a opção por eólica ainda tem pouco espaço no meio residencial.

Em relação às águas, calhas podem captar a chuva e armazená-la em cisternas, sendo depois direcionada para a descarga sanitária e para limpeza e irrigação, comenta Rafael. Outra possibilidade é a realização de compostagem com resíduos e, no caso de residências com quintal, até mesmo de utilizar um biodigestor, que transforma alimentos e esterco em gás de cozinha.

No mobiliário e em outros itens domésticos, a lógica é semelhante à da construção: optar por produtos de menor impacto (como reciclados ou de madeira de demolição, por exemplo) e aproveitar o que já existe (de segunda mão). Antes disso, a primeira questão é se é preciso comprar algo ou se é possível reformar o que já existe.

No caso de eletrodomésticos, priorizar produtos com selos de menor consumo energético (certificados pelo Procel) e lâmpadas econômicas, como as de LED, por exemplo. Além disso, há opções de arejadores para torneiras, que mantêm o fluxo alto, mas com menor consumo de água, por exemplo, assim como de descargas sanitárias com duplo fluxo.

Esta mudança avança, também, para o comportamento. Repensar a geração de lixo, o consumo, optar por materiais biodegradáveis, por exemplo. A cadeia que um produto percorre até o consumidor, afinal, envolve diferentes momentos de emissão de poluentes e geração de lixo.

Moradia sustentável depende de um ambiente de menor impacto

Para o meio ambiente, a adaptação de edificações existentes causa menor impacto do que a construção de novas (que costumam gerar maior volume de resíduos), comenta a professora do IFF Paolla Clayr. “O ideal é debater como incluir as existentes”, comenta.

Segundo ela, uma construção sustentável deve atender a um tripé: economia, social e ambiental. Isto envolve, por exemplo, pensar na aplicabilidade de técnicas em diferentes tipos de contextos urbanos (incluindo as periferias) e na cadeia de produção, em que um material divulgado como sustentável perde um pouco da proposta inicial ao passar por um longo percurso até a obra, por exemplo.

Professora de Arquitetura e Urbanismo na USP, a engenheira Denise Duarte diz que as mudanças climáticas têm exposto a urgência de se olhar mais para a sustentabilidade. “A busca da eficiência no uso de energia, no uso da água, precisa estar na tônica do projeto, pois é tão importante quanto fazer o prédio parar em pé ou ser seguro contra o fogo”, comenta ela, que também é integrante da Coalização Ciência e Sociedade.

A docente considera que uma moradia sustentável também depende do ambiente em que está inserida. Não faz sentido, por exemplo, pensar na construção de residências de menor impacto ambiental para pessoas que diariamente se deslocam para trabalhar e ter acesso a serviços (ampliando as emissões por meio dos trajetos de automóvel e afins). Neste ponto de vista, morar mais perto do trabalho e ter à disposição um sistema de mobilidade eficiente se torna mais sustentável.

Fonte:

Priscila Mengue, O Estado de S.Paulo
21 de setembro de 2021