Este artigo publicado na Revista Metálica apresenta nova metodologia de cálculo para medir os esforços de membrana em lajes mistas aço concreto.
Incêndios reais e ensaios à escala real têm demonstrado que as lajes mistas aço concreto apresentam uma resistência ao fogo superior a do elemento estrutural isolado trabalhando essencialmente à flexão. As grandes deformações provocadas pela perda de resistência devido ao aumento da temperatura favorecem o desenvolvimento de esforços de membrana nas lajes, responsáveis pelo aumento da sua resistência ao fogo. Contrariamente ao procedimento convencional de dimensionamento, com este novo método de cálculo, pode, em muitas situações, evitar se a utilização de proteção passiva contra incêndio numa grande percentagem de vigas secundárias, resultando numa considerável redução de custos, sem comprometer a resistência ao fogo da estrutura.
Serão apenas apresentados os conceitos gerais que servem de base ao método de cálculo, não se entrando no detalhe analítico inerente à sua formulação.
1. Introdução
A maneira mais simples de garantir a resistência ao fogo de uma estrutura consiste em assegurar que os seus elementos (vigas, pilares e lajes) trabalhando isoladamente possuem a resistência ao fogo exigida regulamentarmente. No caso das estruturas de aço alguns países recomendam temperaturas críticas que não devem ser excedidas antes do tempo regulamentar. Em Portugal, por exemplo, o Anexo Nacional da parte 1-2 do Euro código 3 estipula a utilização de uma temperatura crítica de 540 ºC para elementos tracionados e para vigas em que a encurvadura lateral não é um potencial modo de colapso e de 500 ºC para pilares ou elementos estruturais que podem sofrer fenômenos de instabilidade. Este modo de proceder, habitualmente designado por abordagem prescritiva, embora estando geralmente do lado da segurança é demasiado conservativo, conduzindo à aplicação de proteção passiva contra incêndio em todos os elementos sujeitos à ação do fogo. No entanto, considerando, o funcionamento global da estrutura na verificação da sua resistência ao fogo, adotando uma abordagem baseada no desempenho, consegue se normalmente reduzir as espessuras do material de proteção passiva a utilizar ou mesmo evitar completamente a sua utilização. É o caso das vigas secundárias em muitas estruturas mistas aço betão, objeto de análise neste artigo.
A Fig. 1 mostra uma situação em que se utilizou a metodologia apresentada neste artigo para evitar a proteção contra incêndio das vigas secundárias. Na Fig. 1b as vigas assinaladas a cor preta não foram protegidas.
Entre 1995 e 1996 ensaios realizados a escala real num edifício de oito pisos, construído para o efeito no “Cardington Laboratory of the Building Research Establishment (BRE)”, no Reino Unido (Fig. 2), mostraram que, apesar das temperaturas atingidas pelas vigas não protegidas ultrapassarem os 1150 °C, (Bailey, C. 2004) e da ocorrência de flechas elevadas das lajes mistas aço concreto (Fig. 2b) não ocorreu o colapso da estrutura.
Em todos os ensaios realizados no BRE os pilares e as vigas periféricas do compartimento de incêndio estudado foram protegidos de acordo com os procedimentos habituais, mas as vigas secundárias foram mantidas sem proteção passiva contra incêndio. Concluiu-se que a reserva de resistência verificada se deveu ao desenvolvimento de ações de membrana nas lajes mistas aço concreto, como se esquematiza na Fig. 3.
2. Ações de membrana em lajes mistas aço concreto
As ações de membrana em lajes de betão armado não são um conceito novo e o seu estudo remonta à década de 60 do século XX (Bailey, C. 2003). Estes estudos basearam-se na ocorrência de pequenos deslocamentos de grandes deslocamentos. No entanto, as aplicações práticas do efeito de membrana em lajes de betão armado foram limitadas a ocorrência de pequenos deslocamentos, devido às reduzidas flechas admissíveis na verificação aos estados limites de utilização. A investigação feita sobre o efeito de membrana em lajes de betão armado sujeitas a grandes deslocamentos não teve, na altura, grandes desenvolvimentos devido a dificuldade em identificar situações práticas de projeto em que pudesse ser contemplado. Em situação de incêndio, no entanto, tratando-se de uma situação de acidente, são admissíveis grandes deslocamentos desde que não ocorra o colapso da estrutura, (Bailey, C. 2003). Assim, tendo sido identificada uma situação em que se podia tirar partido do desenvolvimento das ações de membrana associadas a grandes deslocamentos, a comunidade cientifíca iniciou uma nova etapa de estudo tendo em vista o aperfeiçoamento de métodos analíticos existentes e proposta de novos métodos de cálculo. Estas investigações desenvolveram-se principalmente na Europa com o objetivo de aplicar a nova metodologia a lajes mistas aço betão, em que o contributo da chapa de aço perfilada para a resistência é ignorado a altas temperaturas, mas cuja presença e benéfica para prevenir o destacamento explosivo do betão, tão frequente nas lajes de betão armado. A Fig. 4 mostra em detalhe o sistema de viga e laje mista habitualmente utilizado, onde se pode ver a rede de armadura de reforço que desempenha um papel importante no desenvolvimento das ações de membrana.
Quando sujeitas a pequenos deslocamentos verticais e desde que a periferia das lajes não tenha deslocamentos verticais nem horizontais, desenvolvem-se esforços de membrana de compressão. O desenvolvimento destas ações de membrana de compressão aumenta significativamente a capacidade de carga das lajes quando comparada com o valor estimado tendo em conta o seu comportamento à flexão. Se, por outro lado, ocorrerem grandes deslocamentos, podem desenvolver-se ações de membrana de tração desde que a periferia da laje não tenha deslocamentos verticais e esteja restringida a movimentos horizontais. É no entanto possível que surjam ações de membrana de tração em lajes retangulares com armadura nas duas direções, desde que a periferia não sofra deslocamentos verticais e não tenha restrições aos deslocamentos horizontais. Neste caso a laje suporta o carregamento através do desenvolvimento de ações de membrana de tração que ocorrem na sua parte central e de ações de membrana de compressão formando um anel comprimido na zona periférica da laje (ver Fig. 3). Segundo Colin Bailey (2003) este comportamento é análogo ao de uma roda de bicicleta, em que os raios representam as ações de membrana de tração e o aro corresponde ao anel de compressão que se desenvolve nas lajes sem restrição aos deslocamentos horizontais.
3. Teoria das linhas de rotura
A nova metodologia de cálculo utiliza a clássica teoria das linhas de rotura, largamente utilizada no dimensionamento das lajes de betão armado. A teoria das linhas de rotura baseia-se no princípio de que o trabalho interno produzido na rotação ao longo das linhas de rotura é igual ao trabalho exterior realizado pelo movimento das cargas aplicadas. Conhecido o padrão das linhas de rotura que corresponde ao colapso da laje, facilmente se determina a correspondente carga de colapso. A Fig. 5 mostra para uma laje retangular o padrão das linhas de rotura correspondente ao seu colapso.
4. Comportamento das lajes mistas aço concreto em situação de incêndio
Para melhor compreender o comportamento de uma laje mista em situação de incêndio, considere-se uma laje retangular simplesmente apoiada na periferia e numa viga mista não protegida paralela ao maior vão da laje, como mostra a Fig. 6.
À temperatura ambiente as cargas aplicadas são suportadas pela laje mista trabalhando na direção do menor vão (ver Fig. 6a). À medida que o fogo progride a temperatura aumenta e a viga não protegida, assim como a laje, vai perdendo resistência e rigidez. A viga continuará a perder resistência formando-se uma rótula plástica a meio vão. Neste instante formam-se linhas de rotura na laje com um padrão em leque, sendo as cargas, inicialmente suportadas pela viga, transferidas para as vigas periféricas (ver Fig. 6b). À medida que a viga vai perdendo resistência as linhas de rotura passam a dispor se em cruz como mostra a Fig. 6c). Com a contínua perda de resistência da viga, no final praticamente toda é carga e suportada pela laje cujo padrão das linhas de rotura corresponde ao que resultaria da aplicação da teoria das linhas de rotura a uma laje de concreto ignorando-se a presença da viga (ver Fig. 6d). A este padrão corresponde uma carga última da laje mista que, na nova metodologia de cálculo, é majorada para ter em conta o efeito das ações de membrana. Deve notar-se que a esta carga última a metodologia de cálculo adiciona o eventual contributo das vigas (ver etapa 4 no ponto seguinte).
5. Metodologia de cálculo
Não cabe neste artigo apresentar detalhadamente a formulação analítica necessária ao cálculo das lajes mistas tendo em conta o efeito de membrana, tendo se optado por descrever a metodologia de cálculo apenas em traços gerais. Em situação de incêndio despreza se, como se disse, o contributo da chapa perfilada de aço para a resistência da laje mista que é, assim, tratada como de uma laje Betão armado se tratasse. O método de cálculo passa pelas seguintes etapas:
- Definição dos painéis de laje a dimensionar, adotando vigas de periferia protegidas e vigas secundária interiores sem proteção. Na Fig. 7 estão representadas a vermelho as vigas periféricas protegidas e a cor preta as vigas secundárias sem proteção;
- Majoração da carga última devida ao efeito de membrana para um deslocamento vertical da laje admissível ao fim do tempo regulamentar de resistência ao fogo;
- Contributo das vigas para o valor da carga última da laje;
- Cálculo das cargas suportadas pelas vigas periféricas e determinação das suas temperaturas críticas.
Deve notar-se que, para uma correta aplicação desta metodologia, os pilares devem ser protegidos como habitualmente, não necessitando as ligações das vigas secundárias as vigas principais da periferia de ser protegidas.
6. Conclusões
Pretendeu-se com este artigo divulgar uma nova metodologia de cálculo de lajes mistas aço Betão em situação de incêndio, tendo em conta o efeito de membrana. Exemplos recentes da utilização desta metodologia têm mostrado que, não comprometendo a resistência ao fogo das estruturas, é possível não proteger cerca de 40% das vigas, usando material de proteção passiva contra incêndio apenas onde realmente necessário.
7. Referências:
- Bailey. C. G., “Efficient arrangement of reinforcement for membrane behaviour of composite floor slabs in fire conditions”, Journal of Constructional Steel Research, 59, pp. 931 949, 2003.
- Bailey, C. G., “Membrane action of slab/beam composite floor systems in fire”, Englneering Structures, 26, pp. 1691 1703. 2004. MACS+ “Membrane Action in fire design of Composite Slab with solid and cellular steel beams —Valorization, Research Fund for Coal and Steel, 2012.