No modelo atual de produção, os resíduos sempre são gerados seja para bens de consumo duráveis (edifícios, pontes e estradas) ou não-duráveis (embalagens descartáveis). Neste processo, a produção quase sempre utiliza matérias-primas não-renováveis de origem natural. Este modelo não apresentava problemas até recentemente, em razão da abundância de recursos naturais e menor quantidade de pessoas incorporadas a sociedade de consumo.

Com a intensa industrialização, advento de novas tecnologias, crescimento populacional e aumento de pessoas em centros urbanos e diversificação do consumo de bens e serviços, os resíduos se transformaram em graves problemas urbanos com um gerenciamento oneroso e complexo considerando-se volume e massa acumulados, principalmente após 1980. Os problemas se caracterizavam por escassez de área de deposição de resíduos causadas pela ocupação e valorização de área urbanas, altos custos sociais no gerenciamento de resíduos, problemas de saneamento público e contaminação ambiental.

Uma das formas de solução para os problemas gerados é a reciclagem de resíduos, em que a construção civil tem um grande potencial de utilização dos resíduos, uma vez que ela chega a consumir até 75% de recursos naturais.

De uma forma geral, estes ciclos para a construção tentam aproximar a construção civil do conceito de desenvolvimento sustentável, entendido aqui como um processo que leva a mudanças na exploração de recursos, na direção dos investimentos, na orientação do desenvolvimento tecnológico e nas mudanças institucionais, todas visando à harmonia e ao entrelaçamento nas aspirações e necessidades humanas presentes e futuras.

No entanto, a reciclagem na construção civil pode gerar inúmeros benefícios citados abaixo:

  • Redução no consumo de recursos naturais não-renováveis, quando substituídos por resíduos reciclados.
  • Redução de áreas necessárias para aterro, pela minimização de volume de resíduos pela reciclagem. Destaca-se aqui a necessidade da própria reciclagem dos resíduos de construção e demolição, que representam mais de 50% da massa dos resíduos sólidos urbanos.
  • Redução do consumo de energia durante o processo de produção. Destaca-se a indústria do cimento, que usa resíduos de bom poder calorífico para a obtenção de sua matéria-prima (coincineração) ou utilizando a escória de alto forno, resíduo com composição semelhante ao cimento.
  • Redução da poluição; por exemplo para a indústria de cimento, que reduz a emissão de gás carbônico utilizando escória de alto forno  em substituição ao cimento portland.

Impactos da Reciclagem

A reciclagem de resíduos, assim como qualquer atividade humana, também pode causar impactos ao meio ambiente. Variáveis como o tipo de resíduo, a tecnologia empregada, e a utilização proposta para o material reciclado, podem tornar o processo de reciclagem ainda mais impactante do que o próprio resíduo o era antes de ser reciclado. A quantidade de materiais e energia necessários ao processo de reciclagem pode representar um grande impacto para o meio ambiente. Todo processo de reciclagem necessita de energia para transformar o produto ou tratá-lo de forma a torná-lo apropriado a ingressar novamente na cadeia produtiva. São necessárias também matérias-primas para modificá-lo física e/ou quimicamente.

Como qualquer outra atividade, a reciclagem também pode gerar resíduos, cuja quantidade e características também vão depender do tipo de reciclagem escolhida. Esses novos resíduos, nem sempre são tão ou mais simples que aqueles que foram reciclados.

A Reciclagem de Resíduos no Brasil

Comparativamente a países do primeiro mundo, a reciclagem de resíduos no Brasil como materiais de construção é ainda tímida, com a possível exceção da intensa reciclagem praticada pelas indústrias de cimento e de aço. Mesmo a discussão mais sistemática sobre resíduos sólidos é recente. No estado de São Paulo, só recentemente iniciou-se a discussão de uma Política Estadual de Resíduos Sólidos, na forma de um texto de lei aprovado pelo Conselho Estadual de Meio Ambiente. Este projeto de Lei estabelece uma política sistemática de resíduos, incluindo ferramentas para minimização e reciclagem de resíduos. Atualmente, está em discussão no CONAMA um texto que consolida os 6 projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional.

Assim, em larga medida a questão ambiental no Brasil, ainda é tratada como sendo um problema de preservação da natureza, particularmente florestas e animais em extinção, deposição em aterros adequadamente controlados e controle da poluição do ar, com o estado exercendo o papel de polícia.

A inexistência de marcas de qualidade ambiental de produtos demonstra que, diferente de outros países, as empresas brasileiras que eventualmente reciclem não utilizam sua contribuição ambiental como ferramenta de marketing, apesar do consumidor, mantido o preço e a qualidade, preferir produtos com menor impacto ambiental. Uma das causas possíveis para este aparente desinteresse é um eventual receio de que o público consumidor leigo associe o produto reciclado a produto de baixa qualidade. Esta dúvida somente pode ser resolvida através de pesquisa de mercado.

A experiência da indústria da construção brasileira

Sem qualquer sombra de dúvida a maior experiência brasileira na área de reciclagem de produtos gerados por outras indústrias na produção de materiais de construção civil é a conduzida pela indústria cimenteira, que recicla principalmente escórias de alto forno básica e cinzas volantes. Yamamoto estimam que em 1996 a indústria cimenteira brasileira ao adotar a reciclagem maciça de cinzas volantes e escórias granuladas de alto forno básicas, além da calcinação de argilas e adição de  filler calcário, reduziu a geração de CO2 em 29% e uma economia de combustível de 28%.

Adicionalmente, também se estimam que a indústria cimenteira economizou entre 1976 e 1995 cerca de 750 mil toneladas de óleo combustível queimando resíduos, como casca de arroz, serragem e pedaços de madeira, pó de carvão vegetal, pedaços de pneus e borrachas, cascas de babaçu, entre outros. Atualmente, a indústria cimenteira inicia no Brasil a prática de coprocessamento, definido como calcinação de resíduos em fornos de cimento, reduzindo o consumo de energia e diminuindo o volume de resíduos em aterros.

Reciclagem de resíduos de construção e demolição (RCD)

A reciclagem de RCD como material de construção civil, iniciada na Europa após a Segunda Guerra Mundial, encontra-se no Brasil muito atrasada, apesar da escassez de agregados e área de aterros nas grandes regiões metropolitanas, especialmente se comparada com países europeus, onde a fração reciclada pode atingir cerca de 90% recentemente, como é o caso da Holanda, que já discute a certificação do produto.

A variação da porcentagem da reciclagem dos RCD em diversos países é função da disponibilidade de recursos naturais, distância de transporte entre reciclados e materiais naturais, situação econômica e tecnológica do país e densidade populacional. Embora já se observe no mercado a movimentação de empresas interessadas em explorar o negócio de reciclagem de RCD e não apenas o negócio de transporte, as experiências brasileiras estão limitadas em ações das municipalidades que, buscam reduzir os custos e o impacto ambiental negativo da deposição do enorme massa de entulho (média de 0,5 ton/hab. ano, obtida segundo dados de  no meio urbano para algumas cidades brasileiras de médio e grande porte).

A reciclagem de pavimento asfáltico, introduzida no mercado paulistano no início da década de 90 é hoje uma realidade nas grandes cidades brasileiras, viabilizando a reciclagem tanto do asfalto quanto dos agregados do concreto asfáltico. Um dos problemas mais graves nos RCD é variabilidade de composição e consequentemente, de outras propriedades desses agregados reciclados.

A recente introdução maciça de gesso na forma de revestimentos ou placas no Brasil pode ser um complicador para a reciclagem dos RCD, caso processos de controle não sejam instalados em Centrais de Reciclagem.

A solução para alguns contaminantes presentes nos RCD (plásticos e madeiras) pode ser o emprego de tanques de depuração por flotação e separadores magnéticos; mas, em alguns casos, a retirada das fases contaminantes pode ser algo bem mais complexo, como compostos orgânicos voláteis e hidrocarbonetos.

A solução para a variabilidade da composição e das outras propriedades desses agregados pode ser o manejo em pilhas de homogeneização, reduzindo esta variabilidade. O que se sugere, é o emprego dos agregados em diversas finalidades, porém com um adequado controle, permitindo a valorização do resíduo e não simplesmente destiná-lo para as necessidades de pavimentação, que são as de menores exigências de qualidade.

A seguir, serão destacados alguns itens que estão em discussão nestes grupos:

–  Viabilização da deposição legal da fração mineral: tem como objetivo permitir o uso da fração mineral sem riscos de contaminação ambiental do lençol freático ou dos componentes reciclados quando utilizados dentro do princípio de reaproveitamento/reciclagem do material e viabilizar o processo de reciclagem com otimização das potencialidades do resíduo.

–  Desenvolvimento de mercado para reciclados de resíduo mineral: deve prever também a existência de mercado privado para os componentes reciclados. A diversificação de produtos aumenta a possibilidade de consumo dos mesmos, além de que as características de heterogeneidade do resíduo exigem a aplicação em diversas finalidades, sempre com o objetivo de máxima valorização do resíduo para o aumento de competitividade com os componentes tradicionais. As ferramentas de controle de qualidade e processo são indispensáveis.

Reciclagem de escória de alto forno

A produção anual de escórias de alto forno no Brasil em 1996 foi de 6,4 milhões de toneladas, sendo que 0,7 milhões são resfriadas lentamente e o restante gera material granulado, sendo, portanto adequada à reciclagem como aglomerantes. Uma grande parte da escória granulada é consumida pela indústria cimenteira. No entanto, uma parte considerável, mesmo a de composição alcalina, permanece acumulada em aterros.

O mercado brasileiro ainda não dispõe de escória moída para mistura em betoneira e nem de agregados leves de escória. A produção de agregados leves é feita através da peletização da escória, em um processo onde fluxo de escória líquida é interceptado por uma roda dentada rotatória, resfriada com pequena quantidade de água, e projetada em na forma de grãos de tamanho variável. Os grãos menores são predominantemente vítreos e podem ser utilizados na produção de cimento e os grãos maiores constituem-se em agregados leves.

Os efeitos ambientais deste tipo de cimento são substancialmente menores do que os gerados pelo cimento comum, significativamente perceptíveis quando se avalia o ciclo de vida deste novo cimento. Notadamente, as emissões ao meio ambiente e o consumo de matérias-primas são reduzidos.

Além disso, o aumento da durabilidade das estruturas de concreto confeccionadas com a adição de escória de alto forno, diminuem os custos de manutenção dessas obras.

Devido a falta de critérios de controle adequados à realidade brasileira, a expansibilidade deste tipo de escória tem levado a vários desastres, tanto quando utilizada como base de pavimentação, aterro ou agregado para concreto. O método hoje existente é uma adaptação do método CBR para solos. Neste método, resultados de apresentam expansões de mais de até 10%.

Reciclagem de sucata de aço

O setor siderúrgico é também um grande reciclador. Boa parte do aço destinado a reforço de concreto armado produzido no país é proveniente do processo de arco elétrico, que utiliza como matéria prima quase que exclusivamente sucata.

Reciclagem de cinzas volantes

O setor termoelétrico e outras indústrias que queimam carvão em caldeiras de leito fluidizado geram cerca de 1,4 M ton de cinzas volantes todos os anos e cerca de 0,36 Mton de cinzas de grelha, mas este valor deve crescer no futuro próximo. As cinzas volantes são comercializadas especialmente para a indústria de cimento, embora existam várias pesquisas para a produção de cal hidráulica e cimentos .

As cinzas de grelha não encontram aplicação no mercado brasileiro. Nos mercados inglês e norte-americano existem inclusive associações setoriais voltada a promoção e aperfeiçoamento do mercado de produto, tendo sido criada recentemente a Worldwide Coal Ash Council. O mercado da cinza volante como adição mineral em concretos de cimento. Embora esta prática traga vários benefícios ao concreto, como o aumento da durabilidade, a redução da fissuração térmica, o aumento da resistência, entre outros, o seu emprego ainda é tímido em alguns países. Enquanto na Europa a adição ao concreto alcance os 40%, no Brasil e nos EUA esse percentual não ultrapassa os 20%.

Outros resíduos

Existe uma grande quantidade de resíduos com potencial de emprego na construção civil e que ainda são ignorados pelo mercado e até pesquisadores brasileiros. Os resíduos derivados do saneamento urbano, ou seja, escória da incineração de lixo urbano domiciliar e lixo hospitalar e o lodo de esgoto devem apresentar um crescimento acentuado na sua produção no futuro próximo, especialmente na cidade de São Paulo, onde inexistem áreas de deposição e está previsto o saneamento do Rio Tietê. A reciclagem fosfogesso, resíduo da produção de adubos, já foi testada no passado no Brasil. No entanto os produtos apresentaram enorme tendência ao desenvolvimento de fungos na fase de uso e a tecnologia foi abandonada.

Caracterização do resíduo

É fundamental um estudo das características físico-químicas e as propriedades dos resíduos, através de ensaios e métodos apropriados. Tais informações darão subsídio para a seleção das possíveis aplicações dos resíduos. A compreensão do processo que leva a geração do resíduo fornece informações imprescindíveis à concepção de uma estratégia de reciclagem com viabilidade no mercado. É também importante investigar a variabilidade das fontes de fornecimento de matérias-primas; é possível operar com matérias-primas bastantes variáveis mantendo sob controle as características do produto principal variando, no entanto, a composição dos resíduos.

Custos associados aos resíduos

Os custos despendidos com os resíduos, como os de licenças ambientais, deposição de resíduos, transportes, as multas ambientais, entre outros devem ser considerados para a futura avaliação da viabilidade econômica da reciclagem. Da mesma forma, o faturamento obtido quando o produto é comercializado deve ser apropriado separadamente, assim como a proporção real entre o comercializado e o estocado.

Uma das condições para viabilizar o novo produto no mercado é que seu preço de venda seja competitivo com a solução técnica já estabelecida ou que haja um nicho de mercado onde o produto apresente significativa vantagem competitiva. Para atrair o interesse do gerador do resíduo sob o estrito ponto de vista financeiro, a reciclagem precisa reduzir os custos com o resíduo, incluídos custos decorrentes da necessidade de mudança de tratamento do resíduo de forma a adequá-lo à reciclagem.

Análise de desempenho ambiental

É importante que o desempenho ambiental das alternativas de reciclagem sejam avaliados além dos usuais testes de lixiviação. Em recente episódio a Comissão Europeia proibiu a importação do farelo de polpa cítrica brasileiro (ração animal) porque foram encontrados níveis de dioxina muito acima do permitido. Detectou-se que a causa da contaminação era a cal utilizada para absorver água da polpa e tornar a ração mais neutra, cuja procedência era a filial brasileira de uma empresa química belga (Solvay) que gera o produto como um resíduo em sua linha de produção (subproduto). No entanto, a mesma cal continua a ser utilizada na construção civil. Visto que se trata de um resíduo (é um subproduto de outro processo produtivo) ela deveria ser analisada com critérios não apenas de engenharia, mas, principalmente, relacionados à saúde pública e ao meio ambiente, tendo em vista que mesmo utilizada como um material de construção ela pode causar danos aos trabalhadores, e aos usuários da construção e também ao meio ambiente, sempre considerando o período de exposição do berço ao túmulo (“cradle-to-grave”).

Isso confirma, portanto, a necessidade de normas e metodologias que avaliem a utilização dos resíduos sob uma visão holística e científica.

Transferência de tecnologia

A reciclagem  ocorre apenas se o novo material entrar em escala comercial. Assim, a transferência da tecnologia é uma etapa essencial do processo. Para ela o preço do produto é importante, mas não é suficiente. A colaboração entre os diversos atores envolvidos no processo – geradores do resíduo, potenciais consumidores, agências governamentais encarregadas da gestão do ambiente e das instituições de pesquisa envolvidas – é fundamental para o sucesso da reciclagem, e deverá ocorrer preferencialmente desde o momento em que a pesquisa se inicia. Além disso, há a necessidade de se convencer os consumidores finais e profissionais que utilizarão ou indicarão os novos produtos. O uso de documentação e certificados que garantam as vantagens do novo produto, bem como a colaboração de universidades e centros de pesquisa com reputação de excelência no mercado, certamente auxilia no convencimento da qualidade do produto.

Fonte:Departamento de Reciclagem da Escola Politécnica – Construção Civil
Sérgio Cirelli Ângulo
Sérgio Edurado Zordan
Vanderley Moacyr John