Os mais entusiastas referem-se a ele como “o ouro arquitetônico” e dizem que o material resgatou a arquitetura moderna de seu declínio. Comparação exagerada ou não, o aço desperta mais e mais adeptos no Brasil, onde o metal ainda não é muito explorado.

Um rápido olhar sobre algumas referências arquitetônicas da atualidade é o suficiente para perceber o caráter contemporâneo do aço. Esse metal aparece definindo e materializando as formas do Centro Georges Pompidou (França), do Estádio Olímpico de Helsinque (Finlândia), da Pirâmide do Louvre (França), do Museu de Bilbao (Espanha) e das Torres Petronas (Malásia). Só para citar algumas obras de expressão. Leve e flexível, o aço adapta-se ao conceito de fast construction, e o conhecimento dessa tecnologia já faz parte do repertório de um grande número de profissionais no Brasil.

Alguns grandes nomes da arquitetura mundial (como Santiago Calatrava, Norman Foster, Richard Rogers e Renzo Piani) revelam que, quando técnica é esteticamente bem empregado, o aço transmuta-se no “ouro arquitetônico”. A composição das formas a partir de desenhos em três dimensões, com os tubos materializando traços, motiva concepções estéticas únicas.

Apesar da significativa participação na última Bienal de Arquitetura de São Paulo (cerca de 50% dos projetos apresentados utilizavam o aço como elemento estrutural), o consumo do aço no Brasil ainda é bem pequeno se comparado ao de países como Inglaterra, Estados Unidos, Japão e França. A produção “metálica” brasileira é “anêmica”, principalmente na arquitetura urbana. “Com raras exceções, os arquitetos brasileiros permanecem ainda presos ao racionalismo moderno, que pouco utilizou o aço como sistema construtivo. As recentes obras da Rede Sarah de Hospitais, o edifício do Comércio em Salvador, o edifício do Banco Itaú em São Paulo e algumas obras minhas, como as escolas Panamericanas, são exemplos dessa ruptura”, revela Siegbert Zanettini, arquiteto com extenso currículo e larga experiência no uso desse material.

O desconhecimento do desempenho do aço e a falta de formação acadêmica também são citados por Zanettini como empecilhos para sua maior disseminação. “As escolas de arquitetura e engenharia no Brasil não cuidaram da produção e do exercício do conhecimento desse sistema, que ainda é baseado em meias-verdades”, critica o arquiteto, que filosofa: “Citando um conceito de Darcy Ribeiro, as escolas não são ‘semente’, e sim ‘fruto’. A universidade brasileira é o reflexo da realidade, e não o seu principal agente transformador”.

Linguagem do Vazio

Especialistas lembram que não é rara a concepção de projetos empregando o aço partindo da lógica inerente ao concreto. “No concreto, em geral, o espaço é concebido como isótropo, homogêneo em todas as direções e organizado por limites de uma geometria definida e controlada, na qual, logicamente, se pode ir da parte para o todo ou do todo à parte”, explica Zanettini, destacando que a linguagem do aço é a do vazio e que a exploração da tridimensionalidade resulta no vácuo a ser ocupado.

“A estética do concreto jamais pode ser aplicada ao aço e vice-versa. O bom profissional tem que dominar o maior número de tecnologias, para poder especificar o mais adequado em cada projeto”, ressalta o arquiteto Roberto Inaba, do Núcleo do Aço na Construção da Companhia Siderúrgica Paulista (Cosipa).

Embora não sejam a solução definitiva para todo e qualquer projeto, as vantagens técnicas (velocidade de obra, limpeza de canteiros, ausência de desperdícios, previsibilidade e planejamento de processo construtivo, além de limpeza e reciclagem) do aço são bons argumentos para sua especificação.

Versatilidade e flexibilidade são outras vantagens do material. Entretanto, para melhor aproveitamento dessas características, deve-se prever o uso do aço a partir da concepção do projeto.

Legos gigantes

Criar balanços e vencer grandes vãos também são particularidades das estruturas metálicas. Autor de vários projetos que privilegiam a arquitetura horizontal (galpões, indústrias, hipermercados e centros de distribuição), o arquiteto Sérgio Coelho é um adepto dessa solução, presente em 95% de sua produção. “Além da rapidez e da limpeza, a relação custo-benefício é satisfatória, pois, em geral, não se costuma computar o desperdício de até 30% provocado pelos processos com o concreto. Por isso, a engenharia do aço não permite uma grande margem para correções. Tudo é pensado em milímetros e qualquer desvio pode comprometer a estrutura”, salienta. Como grandes legos, o aço prevê uma arquitetura de “encaixe”, exigindo grande sofisticação de projeto que deve ser compatibilizado com os demais sistemas, além de um competente planejamento logístico.

Quando corretamente projetadas e executadas, as estruturas metálicas permitem dobrar a distância entre pilares. Eliminando pela metade prumadas inteiras, também nas fundações, o resultado pode ser um melhor aproveitamento da área útil do espaço. Outro recurso possível é a criação de estruturas pênseis ou estaiadas, muito comuns em pontes e que podem ser adaptadas para outras construções.

Embora trabalhos mais artesanais impliquem em custos altos, a leveza do material e a possibilidade de prever curvas são ferramentas adicionais na hora de traçar o projeto. Ao decidir se a estrutura será aparente, lançar mão da pintura pode ser uma boa solução estética, além de retardar a ação de intempéries. Um bom projeto ainda deve prever o tipo de liga adequado para combater os efeitos de corrosão, além do correto posicionamento dos elementos estruturais a fim de evitar o acúmulo de poeira e umidade.

Roberto Inaba lembra que, em casos de adaptações, ampliações, reformas e mudança de ocupação de edifícios, obras que não permitem o uso de fôrmas e andaimes, a opção pelo aço pode ser a mais acertada, já que a intervenção dos novos componentes é menos invasiva.

Estética e Funcionalidade

A Estação Oriente, em Lisboa, Portugal, obra do consagrado arquiteto espanhol Santiago Calatrava, é um belo exemplo de como o aço bem usado transforma-se em “ouro”. A riqueza e a clareza estrutural das coberturas dos estacionamentos, que se ligam à galeria central de acesso e desembocam na gare principal que cobre as estações dos trens, evidenciam o metal como elemento articulador dos espaços, demarcando a conjunção das formas. Além de definir um conceito próprio e de caráter único, em alguns casos, a eleição do material é mais que uma simples opção estética e pode ser uma exigência do projeto.

Quando tinha em mãos o partido do loft residencial localizado na Serra da Cantareira, o arquiteto José Wagner Garcia sabia que a única maneira de viabilizá-lo seria com a utilização das estruturas metálicas. Ao todo, 60 toneladas permitiriam o desafio de vencer grandes vãos com o dimensionamento reduzido na escala da viga. O projeto baseia-se em dois pontos de apoio e um que funciona como ancoragem; uma passarela que “trava” todo o conjunto. “O projeto nasceu da dança das massas existentes, pois exigia que as árvores maiores fossem preservadas”, explica Garcia. A premissa era criar um objeto flutuante com arrojo estrutural, “editando” o entorno a fim de permitir a visibilidade da paisagem de todos os cantos da casa.

Para os fechamentos, o arquiteto afirma que a solução foi radical: vidros (exceto nos sanitários, feitos em alvenaria, em função do sistema hidráulico) e chapas metálicas em aço. Os vidros também revestem os pisos, reafirmando a sensação de flutuação do loft.

Um dos grandes desafios desse projeto, segundo Garcia, foi a sua detalhada concepção estrutural. Foi necessário um trabalho de cálculos sofisticado, com um intenso diálogo entre o escritório e o calculista Júlio Fustengarten. “Três ou quatro profissionais desistiram no meio do caminho, devido à complexidade, já que vencer o declive do terreno era um dos problemas”, relembra Garcia.

Cultura

Além das dificuldades projetuais, Garcia lembra que uma das maiores dificuldades para trabalhar com sistemas metálicos no Brasil é a falta de cultura e repertório para propor soluções que fujam do convencional.

Essa falta de cultura também reflete na oferta de perfis, já que, ainda que esteticamente flexível, o aço com desenhos de perfis exclusivos (com curvas, fundidos ou laminados) é caro. Mais acessíveis, os produtos pré-engenheirados (como vigas e pilares e os sistemas de coberturas e fechamentos) nem sempre satisfazem plenamente às necessidades desses profissionais.

O arquiteto Sérgio Coelho da GCP Arquitetos, acredita que o fato acaba pulsionando os profissionais a testar soluções criativas com os produtos disponíveis. “Tento trabalhar com o que existe, mas de uma maneira inusitada, porque a arquitetura que concebemos é limpa, não muito barroca”.

O projeto do centro esportivo Unisys Arena, de sua autoria, é um bom exemplo de criatividade a partir de soluções simples. A variação dos resultados conseguidos com o uso dos sistemas metálicos não é vista apenas nas suas estruturas, mas também na aplicação inusitada de fôrmas steel deck nos degraus das arquibancadas das quadras.

Na marquise de entrada e nos pilares, foram usadas peças de aço tubular de 20 x 20 cm, em vez das tradicionais em 30 x 30 cm. “Essa solução, mais estilizada, conferiu um aspecto de pé de mesa estilo anos 50”, conta. O aço no fundo de laje, não pintado e com aspecto enferrujado, proporcionou um criativo efeito estético, pelo contraste de cores com os pilares pretos.

O arquiteto Siegbert Zanettini lembra que um dos diferenciais da indústria brasileira em comparação com a do exterior, onde a oferta de perfis pesados prontos é grande, é a fabricação de peças por meio do corte e da solda da chapa plana. “Em outros países, o perfil laminado pronto é mais econômico, por não ter o mesmo sobretrabalho dos fabricantes brasileiros”, revela Zanettini.

Fonte: CBCA / Mais Arquitetura