1. Introdução

O presente artigo aborda os estudos do projeto de reabilitação e reforço estrutural da Ponte metálica rodoviária de Odemira, com mais de 70 anos de existência.

2. Características da obra inicial

Trata-se de uma ponte com 132,15 m de extensão, repartidos por quatro tramos simplesmente apoiados, um com 42,15 m de vão em arco treliçado e os restantes três com 30.00 m de vão em treliça de altura variável. A sua construção decorreu entre 1935 e 1941.

A quando da execução desta obra foram aproveitados o encontro do lado de Odemira e o pilar de encontro já existentes, tendo sido reconstruído o encontro do lado de S. Teotónio e construídos os restantes pilares. Para a materialização do tabuleiro foi utilizado material proveniente dos caminhos-de-ferro, nomeadamente os três tramos do lado de Odemira (figuras 1 e 2).

As cordas inferiores das treliças metálicas são ligadas por carlingas que, em conjunto com longarinas secundárias, suportam a laje do pavimento, em betão armado. As duas treliças estão ainda ligadas na sua face inferior por contraventamentos horizontais em cruz de Sto André.

No tramo 4 (figura 2) existe um contraventamento superior constituído por duas travessas e diagonais em cruz de Sto André.

Os elementos do tabuleiro são constituídos, em geral, por perfis compostos formados por perfis metálicos laminados tipo “I”, “U” ou “L”, em conjunto com chapas ou “trellis”. Os diferentes nós são materializados recorrendo a chapas de forra, cantoneiras de ligação e “goussets”. Todas as ligações dos elementos e dos reforços são asseguradas por rebites.

Os aparelhos de apoio são metálicos do tipo rótula e de roletes, consoante se trate de aparelhos fixos ou móveis. Cada tramo apresenta-se com aparelhos de apoio móveis numa extremidade e fixos noutra.

1. Ponte de Odemira antes de 1935 (esquerda) e depois de 1941 (direita).

2. Alçado e planta da Ponte Odemira.

Os encontros e o pilar P3 são constituídos por alvenaria de pedra enquanto os pilares P1 e P2 são de betão armado, constituídos por dois fustes circulares com 1,80 m de diâmetro, ligadas entre si por contraventamentos em cruz de Sto André (figura 3).

Pilates da Ponte de Odemira: de betão armado (esquerda) e de alvenaria (direita).

As fundações são de diversos tipos, existindo fundações diretas, indiretas por estacas de madeira e pegões de betão armada. A faixa de rodagem, situada entre as vigas principais, tinha, após a sua construção, uma largura útil de 5,0 m ladeada por lancis de 0,30 m de largura. Exteriormente às vigas principais estão dispostos os passeios, também em estrutura metálica, com cerca de 0,80 m de largura disponível.

3. Estudos realizados antes da fase de obra

3.1. Introdução

Os estudos iniciaram-se em 2004, com a realização de uma Inspeção Principal e consequente avaliação estrutural da obra existente. Na sequência destes estudos, o Instituto das Estradas de Portugal (IEP) contratou a Lisconcebe, atual LCW, para desenvolver o Projeto de Reabilitação e Reforço Estrutural. Os trabalhos da empreitada iniciaram-se em janeiro de 2011, tendo a ponte sido reaberta à exploração rodoviária cerca de um ano depois.

3.2. Inspeção principal

A Inspeção principal teve como objetivo definir o grau de conservação e estado de manutenção da obra, tendo-se extraído as seguintes conclusões:

1 – Corrosão generalizada na estrutura metálica;
2 – Pavimento muito desgastado e com juntas abertas sobre as travessas, permitindo a passagem de água através da laje;
3 – Elementos metálicos da superstrutura danificados devido a embates de veículos;
4 – Estado de manutenção deficiente.

3.3. Levantamento geométrico

Foi realizado um levantamento geométrico para confirmar os elementos gráficos que existiam da obra.

3.4. Ensaios e medições sobre os materiais metálicos

Foram realizados pelo Instituto de Soldadura e Qualidade (ISQ) diversos ensaios sobre provetes metálicos da ponte.

Concluiu-se que os valores médios da tensão de cedência e de rotura são de 292 MPa e 370 MPa, respetivamente. No ensaio de fadiga, embora o número de provetes ensaiados tenha sido reduzido, foi possível estimar uma resistência dos provetes à rotura aos 2×106 ciclos, superior a 200 MPa.

No Projeto de Execução, considerou-se um material equivalente ao aço S235 para a estrutura existente.

4. Soluções de reabilitação e reforço estrutural

4.1. Objetivos e estratégia da intervenção

Embora existissem constrangimentos rodoviários, a solução escolhida não pode contemplar a substituição integral do tabuleiro e o seu alargamento. Deste modo, os objetivos da intervenção foram os seguintes:

1 – Manutenção do funcionamento global da estrutura;
2 – Verificação da segurança do tabuleiro de acordo com os códigos atuais, para a classe de sobrecargas rodoviárias Tipo I (RSA), e da infraestrutura à ação sísmica regulamentar (RSA);
3 – Preservação patrimonial e ambiental;
4 – Processos construtivos viáveis aos condicionamentos existentes:
5 – Relação equilibrada custo/beneficio.

É de salientar o uso, sempre que possível, de ligações rebitadas. O material de reforço utilizado foi o aço S235, de modo a que os elementos existentes e os de reforço “funcionem” com tensões semelhantes.

4.2. Soluções estruturais preconizadas

4.2.1. Reforço estrutural do pilar P3 em alvenaria

Devido às incertezas em relação ao tipo de fundações do pilar P3 considerou-se, na fase de projeto, o reforço do pilar e das suas fundações através da utilização de micro-estacas, as quais, ao atravessarem o pilar, consolidam e dão ductilidade ao seu fuste de alvenaria de pedra e, através do seu posicionamento e inclinação, conferem resistência às ações horizontais.

4.2.2. Reforço estrutural da estrutura metálica

As intervenções preconizadas no Projeto de Execução para o tabuleiro para garantir a segurança estrutural foram as seguintes:

1 – Reforço da corda superior do tramo 4, através da adição de chapas metálicas no topo e na base da secção (figura 4);

Solução de reforço da corda superior no tramo 4 e substituição do contraventamento superior.

2 – Substituição do contraventamento superior do tramo 4 (figura 4);
3 – Reforço da corda superior dos tramos 1, 2 e 3 através da adição de cantoneiras na zona inferior da secção (figura 5);

Solução de reforço na corda superior nos tramos 1, 2 e 3.

4 – Correção de perfis principais danificados por embates de veículos (diagonais e montantes);
5 – Substituição de elementos secundários danificados (“trellis” e guarda-corpos);
7 – Introdução de escoras metálicas na zona dos apoios dos tramos 1, 2 e 3, de modo a permitir as operações de levantamento dos tabuleiros para a substituição dos aparelhos de apoio (figura 6).

8. Escora metálica nos tramos 1, 2 e 3 na zona dos apoios.

9. Substituição da laje de concreto armado (Fase de colocação das pré lajes).


10. Alargamento do passeio do lado de jusante.

11. Aplicação de rebites nas soluções de reforço.

4.2.3. Substituição da laje do tabuleiro

Com o objetivo de reduzir a carga permanente do tabuleiro, e resolver os problemas de permeabilidade da laje existente, esta foi substituída por uma nova laje de betão leve armado, realizada a coberto de pré-lajes colaborantes, também em concreto leve (figura 7).

4.2.4. Substituição dos aparelhos de apoio

Alterou-se o sistema de ligações ao exterior dos diferentes tramos para apoios de neoprene cintado de alto amortecimento.

Esta opção justificou-se pelas seguintes razões:

1 – Redução das forças sísmicas através de isolamento de base;
2 – Dissipação de alguma energia da ação sísmica;
3 – Distribuição das forças sísmicas por todos os apoios;
4 – Garantia de um bom funcionamento em serviço.

4.2.5. Alargamento de um dos passeios

Preconizou-se o alargamento do passeio do lado de jusante da obra de arte para uma largura útil de 2,50 m (figura 8).

4.2.6. Reabilitação estrutural

Em termos de reabilitação da obra, foram definidos os seguintes trabalhos:

1 – Aplicação de nova proteção anti-corrosiva;
2 – Execução de uma nova laje de betão leve armado, permitindo o acesso a grelha de suporte metálica e assim proceder a trabalhos de reabilitação;
3 – Limpeza dos pilares, selagem das fendas existentes e pintura das superfícies de betão e de reboco;
4 – Substituição das juntas de dilatação metálicas por juntas de dilatação em neoprene cintado.
5 – Instalação de guardas de segurança e de lancis em betão armado, de modo a proteger a estrutura metálica de futuros embates de veículos;
6 – Reparação do sistema de drenagem.
7 – Aplicação de tapete de betão betuminoso com 0,03 m.

É de salientar o uso, sempre que possível, de ligações rebitadas . O material de reforço utilizado foi o aço S235, de modo a que os elementos existentes e os de reforço “funcionem” com tensões semelhantes.

5. Intervenções complementares ao projeto de execução

Após a remoção da laje existente foi possível inspecionar as faces superiores das carlingas e longarinas secundárias bem como as zonas de arranque das cordas superiores, montantes e diagonais ao nível da laje. Constatou-se que as carlingas e as longarinas secundárias dos quatro tramos estavam em boas condições. Mas as zonas de arranque dos restantes elementos apresentavam uma corrosão avançada e, em alguns casos, com perda total da secção das chapas (figura 10). Esta situação era mais evidente no tramo 4.

Assim, numa primeira fase, foi promovido um levantamento exaustivo de todas as zonas deterioradas de modo a estabelecer um conjunto de soluções padronizadas.

Depois deste levantamento, definiu-se um conjunto de soluções de reforço/reabilitação.

6. Ensaios estáticos e dinâmicos

Foi realizado um ensaio dinâmico aos tramos 1, 2 e 3 já no decorrer da empreitada, embora ainda não se tivessem iniciado os trabalhos no tabuleiro. No tramo 4, que possibilita a travessia do Rio Mira, optou-se por não realizar o ensaio uma vez que já tinha sido montado um andaime suspenso.

Constatou-se que os resultados dos modelos de cálculo utilizados no projeto são concordantes com as medições in-situ.

Aguarda-se a realização da repetição do ensaio dinâmico e de um ensaio estático, agora que a intervenção terminou, conforme está previsto no projeto.

7. Conclusões

Da experiência de elaboração deste projeto e do acompanhamento da obra conclui-se o seguinte:

Numa intervenção sobre uma estrutura existente torna-se fundamental conhecer profundamente, para além da sua constituição e funcionamento estrutural, o seu estado de conservação e manutenção, por forma a definir as melhores soluções, prever com maior rigor o prazo da empreitada e estimar com maior exatidão o orçamento envolvido.
As soluções devem ser o menos intrusivas possível, respeitando o funcionamento estrutural e as características da estrutura, evitando, assim, problemas inesperados no futuro, para além de garantir o respeito pelo patrimônio existente. Desta forma, deve-se reforçar a obra, respeitando a regulamentação em vigor, mas não se exigindo a uma estrutura “antiga” a funcionalidade e a durabilidade de uma estrutura nova.

Autor:

Victor Barata Engenheiro Civil, LCW Consult SA, Algés Fernando Conceives Engenheiro Civil, LCW Consult SA. Algés

Fonte:

Revista CCM Metálica
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