As complexas edificações que se erguem ano após ano em cidades consideradas referências globais da arquitetura moderna, como Tóquio, Dubai, Londres, Sidney, Nova York e outras, não deixam dúvidas: quer por seus atributos intrínsecos, quer pelas avançadas tecnologias que vem incorporando, o vidro é um elemento -chave na concepção dos mais arrojados projetos no cenário arquitetônico mundial. “O vidro na arquitetura apoia-se em suas propriedades inigualáveis de transparência e longevidade. Nenhum outro material oferece ao arquiteto a mesma versatilidade e flexibilidade, especialmente quando se deseja combinar luz e ousadia arquitetônica em um só projeto e fazer com que ele resista ao teste do tempo”, afirma o engenheiro O’Callaghan, responsável pelos envidraçados projetos das lojas da Apple espalhadas pelo mundo.

Quando explorado para expressar uma estética ou uma linguagem, seja em aplicações externas ou internas, o vidro exerce papel determinante na criatividade arquitetônica. A complexidade que caracteriza a concepção dos envelopamentos e fachadas tem exigido do material um desempenho nunca antes imaginado, tanto do ponto de vista estético como tecnológico e funcional. “Uma mudança de atitude em relação à necessidade de desempenho energético e de uma maior sofisticação das tecnologias de fabricação e ferramentas de design tem situado o vidro no centro das atenções da construção civil”, comenta o engenheiro. “A evolução do vidro subsidia a evolução dos projetos, que por sua vez procuram desvendar novas possibilidades de aplicação a cada novo produto disponibilizado pela indústria vidreira”, observa o coordenador de marketing da Cebrace, Carlos Henrique Mattar.

O escritório holandês MVRDV se tornou famoso pela forma ousada e criativa com que explora o vidro em seus projetos. Exemplo típico pode ser encontrado na Glass Farm, edifício revestido por 1,8 mil m? de vidros, nos quais foram impressas imagens fotográficas de uma antiga fazenda, resultando em efeito similar a um vitral. A impressão é mais translúcida ou menos de acordo com a necessidade de luz e visibilidade

Escadas e estruturas que parecem flutuar no ar, fachadas inversas e fluidas, recortes, texturas e padrões geométricos inusitados, tudo isso passa a ser possível por meio do vidro. ?Sua versatilidade, possibilidade de transformação, alta resistência à compressão, maior até do que do aço em alguns casos, fazem do vidro um elemento arquitetônico único na arquitetura moderna”, diz Mattar. “Além, é claro, de atributos como brilho, baixo custo de manutenção, cores e transparência, e as diferentes possibilidades de coating, que conferem reflexão, proteção solar, propriedades autolimpantes etc”, acrescenta. À medida que os projetos se tornam mais envidraçados, os vidros tendem a acompanhar esse desenvolvimento por meio de tecnologias que contribuam para essa interface, avalia Claudia Mitne, gerente de marketing da GlassecViracon. “Com alto desempenho em eficiência energética, em segurança e em acústica, o vidro abre um imenso leque de design”, observa.

Avanços estruturais

Grandes vãos, poucos pontos de fixação, projetos customizados, baixa reflexão, plantas flexíveis – são incontáveis os benefícios agregados pelos vidros em uma obra moderna e arrojada, tanto do ponto de vista técnico como estético. “É importante entender a fachada como uma pele, que deve se adaptar às intempéries ao longo do tempo”, comenta Claudia e acrescenta: “Hoje temos ferramentas muito avançadas que
permitem simular todas as situações em projeto?. Heloisa Oleari, gerente de orçamentos da Hedron Engenha ria, lembra que até pouco tempo a função do vidro era basicamente associada à vedação. “O material evoluiu de tal forma que hoje é usado como estrutura, ou seja, os painéis são aplicados sobre pilares e vigas também de vidro, dis pensando estruturas metálicas e caixilharia de alumínio para fixação”, comenta a engenheira. “Também não podemos
esquecer as infinitas possibilidades de beneficiamento, que dão vida a laminados com efeitos diversos de luz e cor, vidros com estampas e impressão digital de alta definição, vidros curvos, tem perados e multilaminados de alta segurança. É um material muito versátil, que proporciona proteção e integração ao mesmo tempo.”

Novas técnicas estruturais representam um grande avanço para a concepção de formas mais livres. É o caso do Flexiglass, da T2G, que permite a fixação das chapas entre estruturas também de vidro, originando amplas superfícies envidraçadas. O sistema foi aplicado no cubo hexaedro, assinado pelo arquiteto Fernando Brandão. Atravessado por perfis de aço desencontrados, o projeto transmite a sensação de estar flutuando

Segundo ela, os laminados de temperados, com interlayers estruturais como o Sentryglas, da Dupont, e DG, da Solutia, costumam figurar nas mais ousadas concepções arquitetônicas mundo afora. Fiel adepto dos vidros estruturais, James O’Callaghan aponta o processo de laminação e têmpera de chapas de grandes dimensões como uma das principais contribuições do vidro para o desenvolvimento da arquitetura moderna. “Trata-se de uma tecnologia que permite que áreas muito maiores de fachadas sejam cobertas sem juntas de silicone, aumentando a transparência e reduzindo conexões.” Para o também engenheiro Maurício Margaritelli, diretor da T2G, o crescente destaque do vidro nos projetos arquitetônicos se deve particularmente a dois fatores: a evolução tecnológica do material e os avançados sistemas de aplicação.

Shopping Myzeil, em Frankfurt, Alemanha. Assinado por Maximilano Fuksas, o projeto ostenta uma impressionante fachada envidraçada. Concluído em , o edifício de 77 mil m² usa recursos tipicamente explorados pelo arquiteto italiano para criar formas maleáveis com vidro. Sob responsabilidade da empresa de engenharia Arup, a estrutura de aço forma uma grande cavidade, voltando-se para dentro do edifício como se estivesse sendo sugada. Altamente complexa, a geometria exigiu a instalação de perfi s de diferentes tamanhos, nos quais foram instalados os painéis de vidro em forma de diamante

 

Novos tipos de vidro são lançados a todo momento, com benefícios cada vez mais diferenciados, com relação tanto à segurança, como ao aproveitamento térmico e de luminosidade”, cita o diretor. Margaritelli destaca o sistema Flexiglass, desenvolvido pela T2G, como exemplo da possibilidade de fixação das chapas entre estruturas também de vidro, originando amplas superfícies envidraçadas. O sistema permite trabalhar o vidro com grande liberdade de criação, pela flexibilidade de formas que sua estrutura oferece. “Por ser relativamente leve, o vidro auxilia muito no desenvolvimento de geometrias complexas”, acrescenta André Luiz Aquino, diretor da Seele Brasil, empresa de engenharia especializada em fachadas e estruturas de vidro. “Ao lado do aço, o material tem incrementando imensamente os projetos atuais. Tecnologias como controle térmico e solar permitem aos arquitetos usá-lo em circunstâncias antes impensáveis.

         

Aliados do design

Aliado de um design criativo e inusitado, o vidro se tornou a menina dos olhos de consagrados arquitetos. É o caso do italiano Maximilano Fuksas, famoso por suas formas orgânicas e nada convencionais, nas quais o vidro parece se tornar fluido. Outro famoso escritório adepto do vidro como agregador estético e tecnológico é o holandês MVRDV, autor da Glass Farm, edificação revestida em todas as suas faces por 1,8 mil m² de vidros impressos digitalmente. Na lista de emblemáticos exemplos de escritórios internacionais que usam o vidro como recurso central pa ra seus ousados projetos está o sueco Wingårdhs, autor do mirabolante shopping center Emporia. Na fachada, que reflete o movimento das nuvens, uma fenda formada por vidros curvos de tom bronze-ocre faz com que o edifício pareça ter sido atravessado por um furacão.

Símbolo de agilidade, movimento e modernidade. Essa é a síntese da CMA CGM Head Office Tower, expressivo exemplar em destaque no portfólio da mestra Zaha Hadid. Erguido na cidade de Marselha, na França, é o primeiro projeto de torre construído pela arquiteta. Envidraçado de alto a baixo, o arranha-céu combina diferentes tonalidades do material em uma fachada delineada por perfis curvos, orientados pelo centro do edifício, trazendo à tona um forte senso de movimento e verticalização. Formada por vidros escuros, a superfície central afunila-se para dentro e para fora, conforme se ergue em direção ao topo.

Segundo Margaritelli, também no Brasil os escritórios de arquitetura e construtoras estão apostando em propostas arrojadas e esteticamente diferenciadas. Temos profissionais altamente qualificados. Acredito que incorporadoras e clientes geral devem acreditar mais nesse potencial.”, avalia. O engenheiro cita os projetos da arquiteta Zaha Hadid, mestra das formas inusitadas, como exemplos de até onde a arquitetura pode chegar amparando-se no vidro como recurso estético. “Os mais recentes exemplos são o High Line, em Nova York, e o Dubai Performing Art Center. Em comum, todos têm no vidro um grande aliado da estética”, aponta Margaritelli.

Simples, mas nem por isso menos marcante. A estrutura que sustenta os vidros do pavilhão norueguês The Lantern, projeto do Atelier Oslo, é formada apenas por vigas de madeira. Símbolo da cidade que o abriga (Langgata), a escultura arquitetônica é definida por painéis de vidro montados em um padrão de sobreposição, como em um telhado convencional. Eventualmente, a sobreposição incorpora movimento entre as chapas, permitindo que o vidro seja acomodado diretamente na madeira, dispensando os perfis de aço típicos desse processo. O padrão translúcido impresso nos vidros favorece a luminosidade e a interação com a madeira.

 

Para André Luiz Aquino, da Seele, o trabalho de engenheiros e empresas especializadas na aplicação do material tem sido de fundamental importância para extrapolar os usos tradicionais do vidro. “Sem esses profissionais, a indústria não teria avançado, comenta o diretor. “Essa relação resulta numa simbiose que funde os desafios desenhados no papel com os avanços tecnológicos na produção”. Aquino cita a “Onda Carioca”, na Barra da Tijuca, como evidência de que a ousadia criativa em projetos com vidro já chega ao Brasil. Na obra sob responsabilidade da Seele, a estrutura metálica da cobertura é torcida para simular uma onda, apoiada so mente em duas zonas.

         

No Rio de Janeiro a Onda Carioca é sinal de que a ousadia criativa já chega ao cenário arquitetônico brasileiro. Na obra sob responsabilidade da Seele, a estrutura metálica da
cobertura é torcida para simular uma onda, apoiada somente em duas áreas. Das 503 peças de vidro triangulares laminadas que cobrem a estrutura, nenhuma é igual a outra

Das 503 peças de vidro triangulares laminadas que cobrem a estrutura, nenhuma é igual a outra. “Por ser extra transparente, com baixo teor de óxido de ferro, o vidro transmite a sensação de estar ao ar livre e ser abraçado pela estrutura metálica ondulada”, descreve. Margaritelli incentiva arquitetos a explorar ao máximo ideias que em princípio pareçam inexecutáveis. “Não deve haver limite para a criatividade. Para pôr seus projetos em prática, eles devem buscar o apoio de fornecedores e consultores que conheçam os novos sistemas e soluções”. Mattar, da Cebrace, compartilha da opinião. E aconselha aos arquitetos: “Não tenham medo de inovar e explorar o vidro em seus projetos. Nós, os fabricantes, estamos à disposição para ajudá-los, assim como os instaladores estarão aptos a solucionar desafios relacionados à montagem.

Cabana envidraçada

Dormir no meio do mato e acordar à sombra das árvores, à beira do lago, em uma ilha deserta. Protegido do frio e dos insetos, mas com toda a rica paisagem se escancarando ao redor. Eis a proposta que resultou da parceria entre o arquiteto Ville Hara, do Avanto Architects, e a designer Linda Berrgroth, do HelYes!. A cabana envidraçada era originalmente uma estufa criada para uma exposição de jardinagem que se transformou em um “quarto de veraneio” avulso, uma espécie de barraca de camping de vidro.

O projeto foi personalizado com a instalação de um chão de madeira, painéis solares para iluminação e alguns degraus feitos de tijolos reaproveitados. De dentro do aconchegante refúgio, é possível admirar a vista panorâmica do lago sem precisar sequer levantar da cama. Um compartimento na parte traseira permite acomodar todos os artefatos da casa, mantendo o ambiente clean e organizado. Tanto a madeira de pinho finlandês como os vidros temperados podem ser removidos e remontados com relativa facilidade, dando ao projeto ainda mais cara de acampamento.

 

Fonte: Revista Vidro Impresso – Ed 20