O objetivo desse trabalho é analisar o impacto das prescrições da nova norma na verificação do cortante em lajes nervuradas executadas com formas plásticas reutilizáveis, especialmente aquelas cuja seção transversal tem a seguinte geometria: nervuras trapezoidais com binf = 5 cm, bsup = 9 cm, hnerv = 21 cm, espessura da capa de concreto de 4 cm e distância entre eixos de nervuras de 65 cm, conforme Figura 1.

Esse tipo de laje tem sido largamente utilizado em pisos de edifícios residenciais e comerciais, utilizando-se esbeltezes que chegam a L/30 ou até L/32, devido a sua grande rigidez à flexão combinada com o seu baixo peso próprio.

Introdução

A verificação do cisalhamento nas nervuras das lajes acima descritas vinha sendo feita como laje, apesar da NB 1/1978, que vigorou até março deste ano, só permitir essa verificação como laje se a distância livre entre nervuras fosse inferior a 50 cm.

Este é um caso típico de uma tecnologia, cuja prática se consagrou e permitiu a economia de uma quantidade expressiva de formas de madeira e de concreto, contribuindo para o desenvolvimento sustentado do país, graças ao destemor dos engenheiros que a utilizaram, a despeito da restrição da norma vigente.

A NBR 6118/2003, seguindo o princípio de que é a norma que deve se adaptar à prática e não o oposto, ampliou o limite entre eixos de nervuras para 65 cm, permitindo que as mesmas possam ser verificadas ao cisalhamento pelos critérios aplicados às lajes maciças.

Salientamos que o cisalhamento nas lajes nervuradas, de acordo com NB1/1978, não era um fator determinante no dimensionamento dessas lajes, uma vez que o limite de tensão daquela norma, embora levasse em conta os mesmos fatores da norma atual, quase sempre conduzia a um valor de twu1 = 1 MPa, normalmente, superior à tensão de cálculo atuante nas nervuras das lajes até então projetadas.

No entanto, pela NBR 6118/2003, a força cortante nas nervuras pode limitar os vãos das lajes a serem projetadas por dois motivos: primeiro, porque a tensão máxima admissível para lajes sem armadura para força cortante – tRd1 – foi reduzida, e segundo pelo fato de que os cobrimentos exigidos pela nova norma aumentaram, diminuindo a altura útil d e, conseqüentemente, aumentando a tensão de cálculo atuante tSd = VSd / bwd.

Resultado: algumas lajes de piso com vãos grandes, entre 7,50m e 8,00 m, que foram projetadas e construídas pela NB1/1978, não atendem às novas prescrições da NBR 6118/2003 no que se refere ao cisalhamento.

Para contornar essa dificuldade, vamos lançar mão de um recurso até agora pouco utilizado, como veremos a seguir.

Lajes sem armadura para força cortante

A NBR 6118/2004 admite, em seu item 13.2.4.2, que nas lajes nervuradas com espaçamento entre eixos de nervuras menor ou igual a 65 cm a verificação do cisalhamento nas nervuras seja feita considerando os critérios de laje estabelecidos em 19.4.1. onde prescreve o seguinte:

As lajes maciças ou nervuradas, conforme 17.4.1.1.2-b), podem prescindir de armadura transversal para resistir aos esforços de tração oriundos da força cortante, quando a força cortante de cálculo obedecer à expressão:

VSd £ VRd1

A resistência de projeto ao cisalhamento á dada por:

VRd1 = tRd*k*(1,2+40r1)*bwd (lajes de concreto armado sem força de compressão)

Para facilitar os cálculos, vamos dividir as expressões acima por bwd para trabalharmos com tensões em vez de forças. Então teremos:

tSd £ tRd1

tSd = VSd / bwd e tRd1 = tRd*k*(1,2+40r1) onde:

– tRd é a tensão resistente de cálculo do concreto ao cisalhamento e vale:

tRd = 0,25*fctd fctd = fctk,inf / gc fctk,inf = 0,21*(fck)2/3 donde:

tRd = (0,25*0,21/1,4) *(fck)2/3 tRd = 0,0375*(fck)2/3

 

Valores em MPa

– k é um coeficiente que leva em conta a espessura da laje e vale:

k = | 1,6 – d | ³ | 1 | , com d em metros.

– r1 = As1 / bwd £ 0,02 onde:

– As1 é a área da armadura de tração que se estende até não menos que d + l b,nec além da seção considerada;

– bw é a largura mínima da seção ao longo da altura útil d.

Exemplo de verificação do cisalhamento em lajes nervuradas

Para as lajes nervuradas com seção transversal indicada na Figura 1, adotando bw = 5,6 cm e d = 22 cm, encontramos k = 1,38 e, em função da armadura longitudinal que chega ao apoio da laje, calculamos os valores de tRd1, que se encontram na tabela a seguir:

Valores de tRd1, em MPa

 

De posse dos dados acima, passamos a analisar uma laje nervurada de um edifício residencial, que pelas suas dimensões e carregamentos, resulta num cortante elevado nos apoios das nervuras na menor direção.

Os dados de projeto são:

Concreto – fck = 30 MPa;

Dimensões da laje – lx = 7,50 m e ly = 9,00m ;

Largura das vigas de apoio – bviga = 0,20 m;

Carregamentos:

Peso próprio = 2,07 kN/m2

Sob. Perm. = 1,00 kN/m2

Paredes = 1,00 kN/m2;

Sob. Acid. = 1,50 kN/m2

Cálculo de tSd = VSd / bwd

A questão fundamental é: em qual seção deveremos calcular VSd ?

Em primeiro lugar, é preciso deixar claro que as inequações VSd £ VRd1 ou tSd £ tRd1 referem-se à verificação da tensão de tração diagonal do concreto.

O CEB 1978, de onde foi tirada a formulação da nossa norma, estipula que essa verificação deve ser feita a uma distância d da face do apoio. A razão é simples: as cargas aplicadas à laje entre a face do apoio e a seção distante d da face do mesmo são transferidas diretamente ao apoio através das bielas de compressão.

Podemos verificar que a Figura 19.1 da norma brasileira, que é a mesma do CEB, também, sugere que VSd está afastado de uma distância d da face do apoio.

A NBR 6118/2003 é omissa ou não é explícita se levarmos em conta a indicação da Figura 19.1, mas com certeza a verificação não é sobre o eixo do apoio e nem tampouco na face do mesmo, pois, na face, deve ser verificada a compressão diagonal, que por sinal existia na versão de março de 2003 e foi retirada na versão corrigida de março de 2004.

O cálculo dos esforços na laje conduz a uma reação de apoio (eixo da viga) na direção X de 12,2 kN/m.

Como a verificação do cisalhamento na laje será feita numa seção a uma distância d da face do apoio da mesma, calculamos o cortante nessa seção e encontramos um valor de 11,3 kN/m, em função da redução das cargas que atuam no trecho de comprimento d acima referido.

O valor do esforço cortante na nervura vale Vk = 0,65*11,3 ou Vk = 7,3 kN.

tSd = 1,4*7.300/56*220 f0 tSd = 0,83 MPa < tRd1 (verificação atendida), pois no nosso exemplo a armadura longitudinal é de 2 f 10 e tRd1 = 0,85, conforme tabela acima.

Conclusão

Pela NB1/1978, era comum se calcular a tensão de cálculo twd = Vd / bwd utilizando para o cortante Vd o valor da reação de apoio da laje, pois além de dispor de um maior valor de d devido à exigência de cobrimentos menores que os atuais, o valor da tensão última twu1 era quase sempre igual 1 MPa, mesmo para fck = 20 Mpa.

Por exemplo, para a laje acima calculada tínhamos:

Vk = 0,65×12,2 ou Vk = 7,9 kN

twd = 1,4*7900/56*230 lang1033 twd = 0,86 MPa < 1 MPa (verificação atendida).

De acordo com a NBR 6118/2003 deveremos ter tSd £ tRd1, onde vamos encontrar maiores valores para tSd = VSd / bwd devido à redução do valor de d em função dos maiores cobrimentos exigidos e, também, menores valores para tRd1, conforme mostrado na tabela acima.

A solução para continuar projetando lajes de mesmos vãos e carregamentos até recentemente utilizados, sem alterar a forma das nervuras e atendendo às prescrições da nova norma, é a utilização, separada ou em conjunto, dos seguintes recursos:

a) aumentar o valor de fck a ser adotado no projeto;

b) prolongar até os apoios da laje a armadura longitudinal calculada para o meio do vão, pois vimos que tRd1 cresce quando aumentamos r1 = As1 / bwd ;

c) utilizar o recurso perfeitamente válido e permitido, tanto pelo CEB como pelo ACI, de fazer a verificação do cisalhamento a uma distância “d ” da face do apoio.

Referências

1. NB1/1978 – Projeto e Execução de Obras de Concreto Armado;

2. Anexo da NBR 7197/1989, que alterou dispositivos da NBR 6118;

3. NBR 6118/2003 – Projeto de estruturas de concreto – Procedimento;

4. CEB-FIP Model Code for Concrete Structures – 1978;

5. ACI 318M-02 Building Code Requirements for Structural Concrete.

Autor:

Giordano José Loureiro

Fonte:

AEASV